quinta-feira, 25 de outubro de 2018

 arbitragem pode ser descrita como "uma técnica para solução de
controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem
seus poderes de uma convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença judicial"

Trata-se, portanto,
de um instrumento paraestatal de heterocomposição de conflitos relativos
a direitos disponíveis. Justamente por isso, a instituição de uma arbitragem
deve decorrer de ato voluntário das partes, estando, pois, condicionada à
declaração de vontade das mesmas. Essa declaração de vontade ocorre com
a chamada convenção de arbitragem, por meio da qual as partes renunciam
à jurisdição estatal, ordinária, e escolhem dirimir suas controvérsias pela
via da arbitragem.
A convenção de arbitragem encerra um gênero que admite duas espécies: a cláusula compromissória e o compromisso arbitrai. A cláusula
compromissória é o acordo que, inserido em um contrato, prevê a sujeição
à arbitragem de alguns ou de todo litígio vinculado àquele ajuste.' Já o
compromisso arbitral é o acordo firmado diante de um conflito real, por
força do qual as partes acordam submeter sua solução à arbitragem

art. 70 da Lei n°9.307/96, a cláusula compromissória passou a ser
suficiente, por si só, para impor a solução de quaisquer conflitos advindos do
contrato ao juízo arbitrai, independentemente de novo acordo entre as partes.
Isto é: recusando a parte demandada a submeter-se à arbitragem, a sentença
valerá como o próprio compromisso arbitral.

não admitia que se vedasse à parte submeter a
solução de um litígio específico ao Poder Judiciário por força de convenção
prévia. Na realidade, alegava-se inválida a decisão que, antes de surgidas
as eventuais contendas, renunciasse previamente ao direito de discuti-las
perante o Poder Judiciário.
A discussão foi superada por decisão do Supremo Tribunal Federal
proferida na SE 5206/EP,'3 publicada em 2004. Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 5°, XXXV, da Constituição,
proíbe que lei vede às partes o direito de acesso à Justiça, admitindo-se,
porém, o direito de as partes escolherem uma forma alternativa de solu-
ção de litígios, como a arbitragem

na qualidade de renúncia a direito constitucional, a
opção prévia pelo juízo arbitrai deve ser interpretada de forma restritiva.15
Não se admite, portanto, uma interpretação ampliativa da cláusula compromissória para lhe conferir efeitos não desejados pelas partes quando de
sua pactuação. Em suma, a Lei n° 9.307/96 garantiu execução específica à
cláusula compromissória. Entretanto, tal efeito somente terá lugar quando
as partes tenham optado de forma inequívoca pelo juízo arbitral, restando
clara, do ajuste firmado, a renúncia à jurisdição estatal

Cláusulas patológicas
Neste ponto, cabe esclarecer o que a doutrina costuma chamar de
cláusula patológica. Estas seriam as "cláusulas pactuadas de forma ambígua, contraditória, deficiente, omissa ou imperfeita" e que, portanto,
demandariam interpretação que avalie a real vontade manifestada pelas
partes, a saber, se a convenção de arbitragem existe e é válida como tal.
Estas cláusulas, firmadas sem os elementos mínimos essenciais ou de forma atécnica, podem ser inválidas ou, até mesmo, suscetíveis de validade, a
depender da gravidade de seu vicio. Da afirmação, conclui-se que mesmo
as cláusulas patológicas podem ser aptas a instituir a arbitragem, se for
possível delas depreender que esta era a vontade das partes


As cláusulas arbitrais podem ser patológicas por vários motivos, a
saber: indicar órgão arbitrai de forma incorreta, indicar que a submissão
dos conflitos à arbitragem é opcional, conter mecanismo defeituoso de indicação de árbitros, dentre outros." Estas são consideradas viciadas, já que
sua redação imperfeita pode ser propositalmente ocasionada pela parte que
queira adiar o regular processamento da arbitragem ou até alegar sua nulidade, vindo a representar a instauração de um contencioso parasita?'
Para interpretar a cláusula, a doutrina costuma elencar alguns princípios básicos, como o princípio da interpretação de acordo com a boa-fé,
o princípio da efetividade, o princípio da interpretação pro validate,

 também o sistema de solução de controvérsias adotado pelo contrato como um todo. A
cláusula deve ser interpretada restritivamente, mas não se pode abandonar
a interpretação sistemática do contrato

 É bem
de ver que, para parte da doutrina, a simples existência concomitante, em
determinado ajuste, de cláusula compromissória e de cláusula de eleição
de foro já seria suficiente para gerar dúvida quanto à opção das partes pela
imperatividade do juizo arbitrai.

é possível admitir, em tese, que as partes de determinado ajuste elejam um foro de forma subsidiária para a tutela eficaz de
medidas urgentes, ou para garantir a execução coercitiva de determinadas
condutas, considerando que o poder de polícia necessário a tanto é de titularidade exclusiva da jurisdição estatal. Nesses casos, a coexistência da
cláusula compromissória e da cláusula de eleição de foro poderia ser harmônica, desde que não comprometida a clareza da intenção das partes em
submeter à arbitragem a solução do mérito do conflito.


O tema da aplicação ou não da Lei n° 9.307/96 aos contratos firmados antes de sua vigência seria simples, não fosse pela controvérsia acerca
da natureza de suas normas: se regras de direito material ou se de direito
processual. Isso porque tudo o que se acabou de afirmar acerca da impossibilidade de aplicação da lei nova aos contratos anteriores e a seus efeitos
futuros pressupõe que a lei nova veicule, como é corriqueiro, normas de
caráter material. Já as regras processuais têm aplicabilidade imediata, atingindo inclusive os processos em curso, independentemente do momento de
constituição das relações jurídicas neles discutidas.

Tradicionalmente, entende-se que as disposições que cuidam da arbitragem têm caráter misto.3' As que regulam o acordo de vontade das partes, por força do
qual submetem suas controvérsias à arbitragem, e não ao Judiciário, têm
natureza material, ao passo que aquelas que disciplinam o procedimento
arbitrai propriamente dito revestem-se, como regra, de caráter processual.
Essa já era a posição de Hamilton de Moraes e Barros

Ao firmar uma cláusula compromissória antes da vigência da nova
lei, as partes teriam consciência de veicular uma determinada manifestação
de vontade: surgido um conflito concreto no âmbito do ajuste, poderão ou
deverão submetê-lo a um tribunal arbitrai, em vez de ao Judiciário, e, se
não o fizerem, não serão obrigados a tanto, resolvendo-se a questão em
perdas e danos. Ao ajustarem a cláusula compromissória — considerando o
direito então vigente, o único que poderia ser levado em conta para orientar suas decisões e expectativas —, as partes não estariam renunciando em
caráter definitivo à jurisdição estatal. Vigente a Lei n° 9.307/96, eventuais
partes que desejem pactuar uma cláusula compromissória já estão cientes
de que, ao fazê-lo de forma clara, terão renunciado em caráter definitivo
ao direito de acesso ao Judiciário. Isto é: na medida em que alteram o meio
tradicional de resolução de um conflito, tais normas cuidam do conteúdo
do acordo celebrado entre partes e não de mero regulamento de caráter
procedimental.
A natureza material de tais normas decorreria ainda do propósito da
garantia da inviolabilidade do ato jurídico perfeito


Na jurisprudência brasileira, contudo, prevaleceu o entendimento de que o Protocolo, que entrou em vigor no Brasil em 1932, foi revogado pelo Código de Processo Civil (1939), norma mais recente de igual
hierarquia. A despeito de opiniões doutrinárias em sentido diverso, esse foi
o entendimento que prevaleceu no direito brasileiro, de modo que, já por
essa razão, o Protocolo de Genebra seria inaplicável a contratos firmados a
partir de 1939. Nada obstante, ainda que esse ponto fosse superado, a aplicação do Protocolo de Genebra poderia encontrar ainda outros óbices


É possível compendiar as principais idéias desenvolvidas neste estu
do nas seguintes proposições objetivas:
a) A decisão de submeter disputas à arbitragem representa uma re
núncia à garantia constitucional de acesso ao Judiciário. O direito brasilei
ro reconhece a validade dessa espécie de decisão, mas exige que ela seja
veiculada de forma clara e inequívoca.
b) Embora a questão ainda não esteja totalmente consolidada no di
reito brasileiro, a doutrina especializada sustenta, com boas razões, que as
normas da Lei n° 9.307/96 que conferiram eficácia executiva à cláusula
compromissória têm natureza material. E, na linha de entendimento pa
cífico no Brasil sobre a sucessão de leis no tempo, leis novas de natureza
material não se aplicam a contratos firmados antes de sua vigência.
c) Quanto à capacidade de outras normas de conferirem eficácia exe
cutiva à cláusula compromissória em questão, é possível dizer o que se
segue:
c.1.)O Protocolo de Genebra de 1923, que equipara a cláusula com
promissória ao compromisso para os contratos internacionais, não é, em
principio, aplicável, uma vez que se pacificou na jurisprudência brasileira
entendimento no sentido de que esse ato havia sido revogado pelo Código
de Processo Civil de 1939.
c.2.)A Convenção de Nova York não se aplicaria a contratos celebra
dos antes de sua vigência pelas mesmas razões que impediriam a aplicação
da própria Lei n° 9.307/96 nesse particular, acrescida da regra geral de
irretroatividade dos tratados (Convenção de Viena, art. 28).