Além disso, é importante
frisar que a regra, no Brasil, é a total liberdade do estrangeiro de sair do
país a qualquer tempo,16 e, assim, ainda que não autorizado pelo STF, o
estrangeiro é livre para retornar ao Estado requerente da extradição. Por
isso, não faria sentido inadmitir a extradição voluntária, se o estrangeiro
pode partir, a qualquer tempo, para o destino que desejar.
Tratando-se de garantia concedida ao extraditando, não se devem
levar a cabo práticas que agravem de maneira não razoável sua situação.
Nesse sentido, aponta-se que a efetivação da extradição representa, em
alguns casos, circunstância benéfica ao extraditando, que, por exemplo,
pode fazer acordo com a Justiça estrangeira ou mesmo se ver livre de
pena ainda por cumprir no Brasil
Sob o ponto de vista do Estado,
a medida desonera as finanças públicas dos gastos com um prisioneiro
que, quando libertado, será, via de regra, expulso do país e, portanto,
não integrará a sociedade. Sob a ótica do preso, a extradição é medida
benéfica, pois diminui o tempo total de sua prisão, uma vez que ele se
desincumbe da pena brasileira
A esse argumento costumava-se contrapor o fato de que, a rigor, não
teria havido válida aquisição da nacionalidade brasileira,22 em vista dos
requisitos legais impostos à concessão da naturalização: i) bom procedimento; e ii) inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no
Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mí-
nima de prisão, abstratamente considerada, superior a um ano.23 Como
mencionado, a questão ficou superada com a nova Carta. No novo contexto, a Suprema Corte decidiu não ser necessário anular previamente a
naturalização para conceder-se a extradição.
Liderado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, o entendimento dominante da Corte é no sentido de só
permitir a extradição na hipótese de: i) ser promulgada lei regulando
a matéria; e ii) tratar-se de extradição executória
(não havia laços fáticos fortes
entre a pessoa e o Estado no momento da aquisição da nacionalidade).
Portanto, aplicou a Corte a regra da nacionalidade prevalente ou nacionalidade real e efetiva
O STF debateu, então, se esse critério poderia ser utilizado no caso
concreto, visto que o indivíduo em questão possuía dupla nacionalidade. Com a devida vênia, observa-se que o princípio da nacionalidade
efetiva não era aplicável à hipótese em questão: de lege lata, sua aplica-
ção ocorre somente nos casos de dupla nacionalidade julgados por um
terceiro Estado. Isso é o que dispõe o Código Bustamante, art. 10,30 e
também a Convenção de Haia Concernente a Certas Questões Relativas
ao Conflito de Leis sobre a Nacionalidade e Três Protocolos, art. 5º,31
ambos ratificados pelo Brasil.
Aquele que tiver dupla nacionalidade não perderá a
nacionalidade estrangeira, pois cabe apenas ao Estado do qual é nacional decidir quem adquire e perde esse vínculo. Porém, a nacionalidade
estrangeira não será reconhecida no foro.
os crimes políticos puros ou próprios e os crimes
políticos impróprios, relativos, complexos ou impuros. Os primeiros
têm por sujeito passivo o Estado, não afetando os civis. São os casos,
v.g., dos crimes de traição, conspiração para derrubar um governo e
espionagem43 – hipóteses que, inequivocamente, impedem a extradição.
O problema surge nos crimes políticos complexos ou relativos,
quando há, em um mesmo fato, uma mistura de elementos de crimes
tanto políticos quanto comuns.
Os Estados Unidos e a Inglaterra tendem a adotar o critério da existência de um momento político
conturbado para a definição de crime político – “(...) if those crimes
were incidental to and formed a part of political disturbances” –;44 a
Suíça adota o critério do motivo determinante do acusado, que deve ter
fundamento político, conjugado com o critério da finalidade; e a França
adota o critério da motivação, conjugado com a gravidade do crime
cometido.
STF deferiu a extradição de extraditando condenado no Chile por
terrorismo, entendendo-se, no caso, que tal prática não estaria abrangida no conceito de “crime político
O exame dos precedentes, brevemente exemplificados acima, permite incluir, entre os elementos relevantes para caracterizar a ocorrência
de crime político, a motivação do agente, os fins visados, as circunstâncias do crime e a hipótese de ter exercido cargo ou função político-administrativos.
a norma constitucional que veda a extradição com base
em crime político não prevê qualquer ressalva ou limitação. Desse
modo, havendo crime político, este sempre haverá de preponderar sobre o comum, para os fins de evitar a extradição, não podendo a lei
ordinária impor restrições à garantia constitucional, sob pena de violar
a Carta Magna.
O STF tem recorrido ao critério da preponderância, conferindo prevalência ao crime político
A Convenção sobre o Genocídio de 1948 e a Convenção Europeia
de 1977 sobre a Supressão do Terrorismo, que adotam a regra geral de
que os crimes previstos em cada uma delas não devem ser considerados como políticos para os fins de evitar a extradição,
O direito brasileiro absorveu essa regra com o Código Bustamante,
que prevê: “Art. 356. A extradição também não será concedida se a peti-
ção de entrega foi formulada, de fato, com o fim de se julgar ou castigar
o acusado por um delito de caráter político”
o Supremo Tribunal Federal já indeferiu pedido de extradi-
ção formulado pela autoridade judiciária estrangeira, sem a intervenção
do governo,84 como se vê do acórdão a seguir:
“Extradição. Pressuposto. Competência. É pressuposto essencial da extradição que seja
ela requerida por governo de país estrangeiro. Pedido não conhecido, visto que formulado
por autoridade judiciária estrangeira.
o Supremo Tribunal Federal já exigiu, particularmente em pedido de extradição instrutória, que
haja indícios razoáveis sobre a culpabilidade do extraditando
Outro ponto importante diz respeito à possibilidade de extradição
nos casos em que a conduta do extraditando constitua, no Brasil, contravenção. Sobre o assunto, é tranquila a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal no sentido de que o requisito da dupla tipicidade não é
atendido em face da caracterização do fato como contravenção
Mandado de Detenção Europeu (MDE). O instrumento, em vigor entre os
países da União Europeia,106 adota pressuposto diverso. Ao passo que a
prática internacional consagrou majoritariamente a exigência da dupla
tipicidade da infração, o tratado adotou metodologia distinta, trazendo
consigo a lista de condutas que ensejam a extradição. Se é verdade que,
na prática, os resultados produzidos são semelhantes, por conta da natureza de infrações elencadas, por outro lado, é necessário reconhecer
que, em rigor técnico, o princípio da dupla tipicidade não vigora mais
nas relações entre Estados-membros da União Europeia
juízo a ser realizado pelo STF não deve adentrar o mérito da causa, uma vez que está restrito ao sistema de contenciosidade limitada
Há de se distinguir, todavia, o caso acima das hipóteses nas quais o
extraditando era, ao tempo do delito e de acordo com as leis brasileiras, penalmente inimputável por conta de sua idade. Diversamente do
caso anterior, nessa hipótese, prevalece no Supremo Tribunal Federal a
orientação de que tal circunstância é impeditiva da extradição
Outro pressuposto básico da extradição é que o fato imputado ao
extraditando não esteja com a sua punibilidade extinta, seja pela lei brasileira, seja pela lei do Estado requerente. Estão abrangidos por essa excludente não só a prescrição, mas também a anistia, graça ou indulto
Observe-se que a Corte tem dado a esse dispositivo amplitude maior
do que a simples verificação da existência de um tribunal criado especialmente para julgar o extraditando. A esse respeito, esclarece Artur
Gueiros:
“Sobre a questão da vedação de tribunais de exceção – prevista no artigo 5º, inciso
XXXVII, da Constituição da República e no artigo 77, inciso VIII, da Lei nº 6.815/80 –,
deve-se salientar que o Supremo Tribunal ampliou seu âmbito de abrangência, para compreender não apenas a proibição de entrega de alguém para uma jurisdição criada ex post
facto, mas, também, para denegar os pedidos oriundos de lugares onde não exista o mínimo
de respeito ao cinturão de garantias compreendidas na cláusula do devido processo legal.”
Dentre estes, figura o princípio da especialidade, segundo o qual o extraditando não pode ser punido, no país solicitante, por crime diverso
daquele que motivou o pedido original de extradição
mutação da pena de prisão perpétua em pena limitativa de liberdade.127
Essa decisão fundou-se, sobretudo, em dois argumentos: i) impossibilidade de emprestar eficácia transnacional aos direitos previstos na nossa
Constituição; e ii) a Lei nº 6.815/80, art. 91, III, e a grande maioria dos
tratados de extradição em vigor só impõem aos Estados a obrigação de
comutar a pena corporal ou de morte, nada mencionando sobre a pena
de prisão perpétua.