quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Nacionalidade

Paul Lagarde funde ambas as definições, atribuindo duas dimensões ao
conceito de nacionalidade. Na dimensão vertical figura a ligação entre o indivíduo e o Estado ao qual ele pertence, pela qual o indivíduo tem deveres
(lealdade, serviço militar etc.) e direitos (por exemplo, proteção diplomática)

A dimensão horizontal compreende o indivíduo na qualidade de membro de
determinada comunidade, integrante do povo que forma o Estado

naturalidade e cidadania. A naturalidade é um conceito territorial

Entretanto, no caso dos
países que adotam o critério do ius solis, coincidem, em seus efeitos, os conceitos de naturalidade e nacionalidade.

Cidadania, por outro lado, é um conceito mais específico, compreendendo todos os nacionais de determinado país no gozo de direitos políticos

Pode-se dizer, contudo, que a nacionalidade
sublinha o aspecto internacional, ao passo que a cidadania, o doméstico

O Estado é formado por território, autogoverno e
povo

É, porém, polêmica a situação da criança nascida no Brasil, filha de estrangeiro a serviço de seu país. A respeito, discute-se a vigência do art. 2Q da
Lei n. 818/49, que prevê: "Quando um dos pais for estrangeiro, residente no
Brasil a serviço de seu governo, e o outro for brasileiro, ofilho, aqui nascido, poderá optar pela nacionalidade brasileira, na forma do art. 129, n. II, da Constituição Federal". Nos termos do dispositivo, a criança aqui nascida só será
brasileira nata após a opção.

A Constituição
determina que a criança nascida no Brasil será brasileira nata, ainda que filha
de estrangeiros, salvo se estes estiverem a serviço de seu país. Há duas interpretações possíveis: (1) quem nasce no Brasil será brasileiro, com exceção do
filho de pai e mãe estrangeiros, ambos a serviço de seu país49; (2) a criança nascida no Brasil filha de pai ou mãe estrangeiro a serviço de seu país não será
brasileira nata.
A primeira interpretação é a mais correta.

Para essa corrente, o art. 2Q da Lei n.
818 será inconstitucional, pois se a criança já é brasileira nata pelo nascimento, não há exigir a opção. Por outro lado, para aqueles que defendem a segunda interpretação, pode-se discutir a vigência do art. 2Q da Lei n. 818. Quanto
a isso, também não há unanimidade e há três entendimentos possíveis.

Uma corrente entende que o dispositivo é inconstitucional, pois a lei
ordinária não pode prever hipóteses de aquisição da nacionalidade originária5i.
Para esses, a criança é estrangeira, podendo se tornar brasileira somente pela
naturalização. Outra corrente defende que o dispositivo é constitucional, por
analogia à possibilidade de opção prevista na alínea c52 • Se o filho de brasileiro
nascido no exterior pode fazer a opção, com muito mais razão poderia o filho
de brasileiro aqui nascido, mesmo que também filho de estrangeiro a serviço
de seu país. Uma terceira corrente sustenta que o dispositivo é inconstitucional com base em uma interpretação sistemática do art. 12. Como o legislador
previu que a criança nascida no exterior, filho de brasileiro ou brasileira a
serviço do Brasil será brasileiro nato, não faz sentido tratar a hipótese inversa
de forma diferente53 • Assim, bastaria que um dos pais fosse estrangeiro a serviço do seu país para que a criança não pudesse ser brasileira nata. Quanto a
esse último argumento, apesar de sua lógica, há que se lembrar que os dispositivos sobre nacionalidade são unilaterais e a reciprocidade não é critério
determinante para sua aquisição

Questiona-se primeiramente se a hipótese inclui apenas trabalho a servi-
ço da administração direta54 - hipótese mais tradicional - ou se é extensiva
também aos brasileiros a serviço da administração indireta55 , tais como empresas públicas e sociedades de economia mista. Discute-se, ainda, se o trabalho deve ser permanente ou pode ser temporário. Aqui, mais uma vez, a
melhor interpretação é aquela mais favorável à aquisição da nacionalidade
brasileira. Diante da ausência de restrições no texto constitucional, não deve
o intérprete criá-las. Portanto, a aquisição se dará ainda que o pai ou a mãe
brasileiro esteja a serviço da administração indireta, bem como na hipótese de
exercício de trabalho temporário na administração.

basta que um dos genitores seja brasileiro para que o filho
possa ser registrado e adquira a nacionalidade brasileira. Além disso, a nacionalidade brasileira do genitor não precisa ser originária. O filho de genitor
naturalizado pode se beneficiar desta possibilidade, desde que a naturalização
seja anterior ao nascimento do filho no exterior. Isso porque a condição de
brasileiro do pai ou da mãe deve existir à época do nascimento; de um lado,
porque o texto constitucional assim o exige e, de outro, porque se trata de
aquisição da nacionalidade originária, espécie que se baseia em situação existente à época do nascimento56 •
Por fim, a repartição brasileira competente, como regra, é o consulado
brasileiro da localidade em que se deu o nascimento.

No sistema anterior, em que deveria ser feita em
até quatro anos após a maioridade, até então a criança poderia ter o registro
provisório da nacionalidade brasileira, nos termos do art. 32 da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73). Assim, a criança tinha a nacionalidade brasileira temporária até o término do prazo decadencial para a efetivação da opção.
Tratava-se, portanto, de condição resolutiva. Se a opção fosse feita no prazo, a
nacionalidade brasileira originária retroagiria à data do nascimento, independentemente de ter sido ou não efetivado o registro temporário, que era feito
somente por necessidades práticas. Caso não fosse realizada a opção no prazo
estipulado pelo legislador constituinte, ainda que feito o registro provisório, a
condição de brasileiro era cancelada de ofício.

Quanto à natureza da opção, parece ser orientação da doutrina e da jurisprudência classificá-la como condição suspensiva

Nessa linha, não subsiste
a possibilidade prevista no art. 32 da Lei dos Registros Públicos de registro
provisório da nacionalidade brasileira. Como a opção pode ser feita a qualquer
tempo, não faria sentido admitir-se o registro temporário, pois o indivíduo
poderia ficar indefinidamente com esse status e a opção se tornaria desnecessária.

o filho ou filha desse indivíduo que tenha nascido no exterior, antes da opção do seu genitor, não poderá fazer a sua opção,
pois será filho ou filha de estrangeiro. Porém, uma vez feita a opção pelo genitor, que é retroativa, a mesma oportunidade abre-se para o seu filho ou filha,
que poderá comprovar o status de brasileiro do seu genitor à época do seu
nascimento.

Além disso, não há prazo para o registro. Assim, ainda que feito muitos anos
após o nascimento no exterior, seu efeito será o mesmo.

a opção parece ter perdido sua razão de ser61 • Após a
maioridade e com a fixação da residência no país, a opção exige comparecimento perante juiz federal. Pergunta-se qual o sentido dessa opção se o registro consular pode ser feito a qualquer tempo? Ou seja, para aquele que vem
fixar residência no Brasil, demonstrando um maior vínculo com o país, impõe-
-se um ônus maior, com a contratação de advogado e todas as dificuldades do
processo judicial da opção; já para aquele que reside no exterior, basta que ele
(ou seu genitor brasileiro) compareça perante o consulado brasileiro e requeira o registro. Não há qualquer razão que justifique tal incoerência.
Note-se que a opção deve ser feita perante juiz federal, como exigido pelo
texto constitucional

Tratar-se-ia, por exemplo, de naturalização para
exercício de profissão, aquisição de imóvel ou situação similar. Essa verificação
se dará caso a caso, sempre se adotando interpretação mais favorável à manutenção da nacionalidade brasileira

Discute a doutrina se a reaquisição é uma naturalização específica para ex-
-brasileiros ou se permite que se retorne ao status anterior (nato ou naturalizado). Na primeira hipótese, o brasileiro nato que perde a nacionalidade, pela
reaquisição, passará a ser naturalizado. Para a segunda corrente, que parece ser
a melhor por ser mais benéfica ao indivíduo envolvido, o brasileiro nato que
deixa de ser brasileiro readquire o seu status de nato.

Havendo mais de uma nacionalidade, cada um dos Estados
envolvidos irá reconhecer apenas a sua própria nacionalidade79 • Em face de
um terceiro Estado, considerar-se-á a nacionalidade mais efetiva

Caso Nottebohm, decidido pela
Corte Internacional de Justiça da Haia. Friedrich Wilhelm Nottebohm, nacional alemão que residia e tinha negócios na Guatemala, em 1939, no início da
Segunda Guerra Mundial, adquiriu a nacionalidade derivada de Liechtenstein
(naturalização). Todavia, continuou domiciliado na Guatemala. Em 1943, foi
preso e deportado para os EUA, como nacional de país inimigo (Alemanha)
e, em 1949, teve os seus bens confiscados na Guatemala, para onde foi impedido de voltar. Por essa razão, Nottebohm fixou domicílio em Liechtenstein,
que submeteu à Corte Internacional de Justiça da Haia pedido indenizatóriopela sua prisão e deportação e pela expropriação de seus bens. A Corte proferiu decisão histórica na qual não considerou Liechtenstein parte legítima para
representar Nottebohm, já que a nacionalidade desse país não fora adquirida
em conformidade com os parâmetros estabelecidos pelo direito internacional
(não havia laços fáticos fortes entre a pessoa e o Estado no momento da aquisição da nacionalidade). Portanto, aplicou a Corte a regra da nacionalidade
prevalente ou nacionalidade real e efetiva.

o STF debateu se o critério da nacionalidade
efetiva poderia ser utilizado no caso de dupla nacionalidade, em que uma das
nacionalidades em questão era a brasileira, concluindo pela afirmativa82 • Com
o devido respeito, observa-se que o princípio da nacionalidade efetiva não é
aplicável à hipótese: de lege lata, sua aplicação ocorre somente nos casos de
dupla nacionalidade julgados por um terceiro Estado

Consequentemente, não é somente uma questão doméstica, mas também
internacional. Por essa razão, o direito do Estado para decidir problemas relativos à nacionalidade pode, também, ser delimitado por convenções ecostumes internacionais, e pelos princípios gerais de direito reconhecidos

Zeballos, estudioso do assunto, estabeleceu, em 1914, algumas regras
concernentes à nacionalidade que sempre teriam que ser respeitadas. Nomeou
esses princípios "axiomas dos princípios da nacionalidade"97:
(1) a nacionalidade é um laço voluntário, "bana fide";
(2) é imperativo ao indivíduo possuir uma nacionalidade;
(3) não há cogitar de dupla nacionalidade98;
(4) é facultado ao indivíduo a livre mudança de sua nacionalidade99;
(5) como consectário do item anterior, é vedado ao Estado impedir a
mudança de nacionalidade;
(6) é vedado ao Estado compelir o indivíduo à involuntária mudança de
nacionalidade 100;
(7) é facultada ao indivíduo a recuperação da nacionalidade abandonada;
(8) é vedado ao Estado impor sua nacionalidade ao indivíduo domiciliado em seu território;
(9) a nacionalidade original ou aquela que foi voluntariamente adquirida irá determinar a aplicabilidade do direito privado e público;
(10) todo Estado é obrigado a determinar o status do apátrida no direito
público e privado 1º

O direito de adquirir uma nacionalidade, por sua vez, não pode ser considerado, em termos gerais, um direito. Via de regra, os Estados são livres para
conferir nacionalidade a quem quer que seja e, mesmo preenchidos todos os
requerimentos legais previstos quanto à aquisição de nacionalidade, ainda
assim a concessão da nacionalidade está, sob o ponto de vista internacional,
na esfera da discricionariedade daquele Estado

Ressalta, ainda, que a desnacionalização é consectário
do alistamento em serviço militar ou civil estrangeiro ou aceitação de distinções
estrangeiras (incluindo a naturalização), saída ou estada no estrangeiro, condenação por certos crimes, atitudes ou atividades políticas ou por motivos
ligados à segurança nacional

 A despeito disto,
via de regra, os Estados sucessores têm conferido suas nacionalidades aos
antigos nacionais do predecessor

A ideia de cidadania, como mencionada previamente, é inequivocamente um conceito de direito local, enquanto nacionalidade é um conceito de direito internacional.

O efeito prático dessas regras é
que as leis locais em violação ao direito internacional não serão reconhecidas
por outros Estados, não terão nenhum efeito extraterritorial e não serão
aplicadas nos tribunais internacionais. Paradoxalmente, contudo, o indivíduo,
domesticamente, irá possuir a nacionalidade do Estado em questão, não
importando quão incongruente com o direito internacional esta nacionalidade possa ser.

(1) Cada Estado é habilitado para determinar quem são seus nacionais123•
(2) O direito internacional impõe algumas limitações ao poder do Estado
de determinar quem são seus nacionais 124•
(3) Nacionalidade não é um vínculo permanente. É possível que um
nacional se torne estrangeiro 125•
(4) Como corolário dos princípios anteriores, os Estados podem desnacionalizar os indivíduos, na medida em que haja clara previsão legal
das hipóteses de destituição de nacionalidade, sem margem para a
arbitrariedade126•
(5) Direito a uma nacionalidade(9) Nacionais têm o direito de deixar seu país131 •
(10) O casamento não tem influência alguma na nacionalidade. Até recentemente, alguns Estados estabeleciam que uma nacional de determinado país perdia sua nacionalidade se casasse com um estrangeiro e, inversamente, quando uma mulher estrangeira se casasse
com um nacional ela adquiriria automaticamente a nacionalidade
do seu marido. Atualmente, entretanto, tem-se entendido que o
casamento apenas tem o condão de facilitar o processo de aquisição
de determinada nacionalidade 132•
(11) Somente aos nacionais são atribuídos direitos políticos plenos 133•
(12) Em casos de dupla nacionalidade, aplica-se o direito interno se uma
das nacionalidades é a do Estado em questão 134• Em caso contrário,
aplica-se o princípio da "nacionalidade efetiva" 135 •
(13) Relativamente à aquisição da nacionalidade, filhos de pessoal diplomático constituem exceção à regra do ius solis e não adquirem a
nacionalidade do país onde nasceram 136•
(14) A aquisição derivada de nacionalidade deve ser voluntária