Este cenário pode ser justificado por algumas razões: primeiro, porque a Constituição
Federal de 1988, ao mesmo tempo em que foi pródiga ao arrolar e assegurar os direitos sociais,
inclusive o da saúde, garantiu maior acesso à justiça, em ambas as concepções - formal e material; segundo, porque na visão jurídica moderna esses direitos, constitucionalmente previstos,
passam a ter efetividade, criando para o Estado um poder-dever de oferecê-los ao cidadão;
terceiro, devido ao amadurecimento da democracia brasileira, com a inquestionável conscientização da população dos seus direitos de cidadania; quarto, porque o administrador público
nem sempre dimensiona corretamente ou confere prioridade a certas rubricas orçamentárias,
especialmente, como infelizmente temos visto, para a área da saúde; e, finalmente, em quinto
lugar, por incapacidade de gestão da Administração Pública ou ineficiência na aplicação dos
recursos destinados à saúde, revelando a precariedade do sistema de saúde brasileiro.
Segundo o constitucionalista, um direito subjetivo cumula três características: a) corresponde sempre a um dever jurídico; b) é violável; c) a ordem jurídica coloca à
disposição de seu titular um meio juridico - que é a ação judicial - para exigir-lhe o cumprimento, deflagrando os mecanismos coercitivos e sancionatórios do Estado
a terminologia "judicialização" se destaca mundialmente com a obra
"The Global Expansion of Judicial Power"7 de Neal Tate e Torbjorn Vallinder, que estabelecem
como condições essenciais para a sua efetivação: um ambiente de regime democrático estabelecido; uma clara separação de poderes; e a existência de uma política de direitos inequivocamente posta.
Esta crítica financeira ainda se potencializaria pelo argumento de que o fornecimento
de medicamentos e tratamentos de saúde gera gastos imediatos e imprevistos, não sujeitos aos
procedimentos concorrenciais e licitatórios ordinários, onerando ainda mais o sistema de saúde
pública.
Por sua vez, o quinto argumento censura a concessão de medicamentos ou de tratamentos de alto custo, inclusive no exterior ou ainda em caráter experimental, sem comprovação de eficácia ou sem ganhos ou vantagens terapêuticas em relação aos já existentes e
oferecidos pelo SUS. Neste aspecto, desdobra-se a crítica para suscitar possívellobby ou influ-
ência de interesses corporativos em fomentar as demandas judiciais para a aquisição de seus
medicamentos, inclusive as tecnologias de saúde ainda sem registro na ANVISA, a partir de um
interesse meramente pecuniário: o lucro.
Na Recomendação nº 31, o CI\lJ sugere aos órgãos do Poder
Judiciário que evitem o deferimento do fornecimento de medicamentos não aprovados pela
ANVISA, assim como os que estiverem em fase experimental.
o CNJ editou a Resolução nº 107/2010, criando o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, com a tarefa de monitorar as ações judiciais que envolvam prestações de assistência à saúde
fenômeno da erosão da consciência constitucional.
mera invocação da cláusula do financeiramente
possível
Para que o Estado possa servir adequadamente à sociedade que o institui, os seus órgãos de representação definem, pela atribuição constitucional e legal de competências, quais os interesses que deverão ser satisfeitos administrativamente, qualificando-os como interesses públicos,
identificados como interesses públicos primários. ou interesses públicos
materiais. Tais funções desempenhadas pelo Estado e seus delegados
para a satisfação desses interesses públicos primários que, por atenderem a necessidades da própria sociedade, caracterizam as atividades-fim
da Administração Pública. e que, por se referirem à gestão externa dos
interesses dos administrados, conformam a administração extroversa.
Todavia. como condição para desempenhá-la. é necessário que o Estado satisfaça seus próprios interesses institucionais, conotados a seus
atos, pessoas, bens e serviços, desdobrando, desse modo, outra e distinta
classe de interesses a serem atendidos. a dos interesses públicos secundários, ou interesses públicos instrumentais, ou, ainda, derivados, caracterizando, por seu turno, as atividades-meio da Administração Pública as
quais. por atenderem à gestão interna de seu pessoal, de seus bens. de
seus atos e de seus serviços, conformam a administração introversaJ
que beira, a nosso ver, a
imoralidade administrativa, desbordando para o absurdo de tornar o objetivo de realização de
economia financeira governamental (superávit primário) um valor hierarquicamente superior ao
direito constitucional à saúde e à vida