há que se distinguir arbitragem por equidade e arbitragem
de direito. No primeiro caso, o árbitro não precisa se basear na lei, então não
precisa verificar o respeito à Constituição brasileira. É certo, todavia, que
todas as opções constitucionais fundamentais (isonomia, não discriminação
etc.) se encontram dentro de um conceito mais amplo de equidade, sendo
difícil conceber uma hipótese de decisão por equidade que represente uma
afronta à Constituição, o que é, nada obstante, possível em tese.
Seguindo este entendimento, em uma arbitragem com sede no Brasil e
com aplicação da lei substantiva brasileira, o árbitro pode deixar de aplicar
determinada lei por considerá-la inconstitucional, realizando o controle incidental. O árbitro aplica o direito brasileiro na sua integralidade e tem o dever
de examinar a constitucionalidade da lei aplicável ao caso.
A doutrina distingue, dentro do conceito de ordem pública, gradações
que autorizam falar-se de ordem pública de primeiro, segundo e terceiro
graus.15 De forma simples, é de primeiro grau a ordem pública de âmbito fundamentalmente interno, isto é, as regras e os princípios do ordenamento
jurídico considerados imperativos, não podendo ser afastados pela vontade
das partes. Vale dizer, no plano interno, a ordem pública se confunde com o
conceito de leis imperativas. A ordem pública de segundo grau situa-se no plano
do direito internacional privado e é aquela que de fato impede a aplicação
de leis, atos e decisões estrangeiros contrários à ordem pública definida no
plano interno. Nesse contexto, ainda, deve-se distinguir a ordem pública na
aplicação direta da lei estrangeira, por força das regras de conexão locais,
da ordem pública na aplicação indireta da lei estrangeira, ou seja, quando a
situação já se constituiu no exterior, quando a ordem pública terá um menor
âmbito de atuação. O terceiro grau de ordem pública descreve um conjunto de
princípios aplicáveis sobretudo às relações internacionais, que traduzem osinteresses da comunidade mundial e situam-se acima dos sistemas jurídicos
internos de cada país.
nem toda norma imperativa (ordem pública
de primeiro grau) será considerada “ordem pública de segundo grau”, a
ponto de afastar a aplicação da lei estrangeira competente
Ainda é importante frisar que o conceito de ordem pública de segundo
grau tampouco coincide necessariamente com o de norma constitucional
A prática no direito comparado é que o árbitro não tem lex fori,
diversamente do que ocorre com o juiz de direito, que está vinculado às leis
de ordem pública do foro na aplicação da lei estrangeira.
recomenda-se aos árbitros que levem em consideração
as leis imperativas que tenham uma conexão razoável com a situação em
questão.
É importante frisar que o árbitro tem a obrigação de assegurar executoriedade à sua decisão. Assim, a ordem pública do país no qual o laudo provavelmente será executado deve ser necessariamente examinada.22 Em síntese:
deve-se observar a conformidade da lei aplicável ao mérito da arbitragem
com os princípios fundamentais da constituição do país que tenha uma maior
vinculação com o caso e a do país da execução da decisão arbitral.
art. 2o, §1o, da Lei de Arbitragem: “Poderão
as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas
na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem
pública”. Por outro lado, o art. 32 da LA, ao enumerar os fundamentos para
a nulidade do laudo, não incluiu expressamente a contrariedade à ordem
pública brasileira
Caso se entenda que é
questão processual, poder-se-ia admitir o controle difuso pelo árbitro ainda
que ao mérito fosse aplicada a lei italiana. Baseia-se esse entendimento no
argumento de que esse controle de constitucionalidade diz respeito ao exercício da jurisdição, aos poderes do juiz, e à divisão de competências, questões
essencialmente processuais. Ainda que fosse uma questão de processo constitucional, não perderia a sua natureza de questão atinente ao processo. Em
suporte a essa corrente, pode-se também alegar que o árbitro, quando aplica o
direito estrangeiro, deve aplicá-lo na sua integralidade, com observância das
normas constitucionais estrangeiras, e o direito estrangeiro não estaria sendo
corretamente aplicado caso o juiz brasileiro não levasse em consideração o
sistema como um todo, incluindo a constituição estrangeira. Ressalte-se,
todavia, que para essa corrente recomenda-se que se parta de uma presunção
forte de constitucionalidade da lei estrangeira.
O
sistema de controle de constitucionalidade é principalmente uma opção
política, de organização de Estado, o que o torna intrinsecamente ligado ao
direito aplicável ao caso. Ademais, a aplicação da lei estrangeira pressupõe
uma equiparação ao que o juiz estrangeiro faria. Não faria sentido que se
admitissem poderes mais amplos ao árbitro na aplicação da lei italiana do que
aqueles que são atribuídos ao magistrado italiano na espécie. Além disso, há
que se considerar que, nos países em que se adota o sistema concentrado, na
maior parte das vezes, o órgão que realiza esse controle não é sequer parte da
hierarquia judiciária ordinária e sim corte autônoma, que exerce um controle
político. Ou seja, a verificação da constitucionalidade está inserida no contexto
da separação de poderes, inerente à soberania do Estado envolvido, o que
impediria a realização do controle por uma autoridade estrangeira judicial
bem como por um árbitro sediado no exterior ou até mesmo no próprio país.
Por essas razões, essa parece a solução mais adeq
pode-se extrair argumento adicional para a segunda
corrente, que entende que se trata de questão de mérito. Se no exterior,
questiona-se se o árbitro tem competência para suscitar a questão constitucional,
inclusive entendendo-se na França pela negativa, não faria sentido se admitir
que um tribunal arbitral no Brasil pudesse até mesmo adentrar o exame da
constitucionalidade da lei estrangeira.
os efeitos no Brasil de uma decisão posterior de Corte Constitucional estrangeira, declarando a inconstitucionalidade de lei estrangeira
aplicada em arbitragem com sede no Brasil. A decisão da Corte Constitucional
estrangeira pode levar à nulidade da sentença arbitral anteriormente proferida no Brasil? Acredita-se que no caso devem ser aplicadas as mesmas
regras utilizadas no Brasil para o processo judicial: as decisões posteriores
de inconstitucionalidade não afetam automaticamente as decisões anteriores
em sentido contrário que tenham transitado em julgado.27 Na hipótese, vale a
regra constitucional brasileira de respeito às decisões que tenham transitado
em julgado — a que se equiparam os laudos arbitrais que já possuam caráter
definitivo.
Note-se que ainda que a decisão estrangeira tenha transitado em julgado
no exterior, a decisão ainda não foi homologada pelo STJ e, portanto, acredita
se que esse exame deve ser feito quando da homologação.
1. No caso da arbitragem doméstica:
a) com aplicação da lei material brasileira — admite-se o controle pelo
árbitro. Como o árbitro é juiz de fato e de direito e como o juiz pode
exercer esse controle, então também o árbitro pode exercê-lo.
b) com aplicação de lei estrangeira — o árbitro pode verificar a
compatibilidade da lei estrangeira com a Constituição brasileira, por
determinação expressa do art. 2o da Lei de Arbitragem. A despeito
de o dispositivo mencionar somente a ordem pública brasileira e de
serem conceitos diferentes — ordem pública e norma constitucional
—, as normas constitucionais fundamentais estão inequivocamente
compreendidas nesse conceito.
Caso se trate de lei estrangeira declarada posteriormente inconstitucional pela Corte Constitucional estrangeira, recorre-se a uma
analogia com o que ocorre nos processos judiciais: as decisões posteriores de inconstitucionalidade não afetam as decisões anteriores em
sentido contrário que tenham transitado em julgado.
Ainda no que diz respeito à arbitragem doméstica, a questão do controle
da constitucionalidade da lei estrangeira à luz da Constituição estrangeira
exige que se proceda à qualificação desse controle: caso seja considerado
uma questão de direito material, o que parece mais indicado, há que se
observar o que determina a lei estrangeira; já na hipótese de se considerar
direito processual, pode-se admitir o controle ainda que a lei que está sendo
controlada não o admita
2. No caso da arbitragem estrangeira:
a) com aplicação do direito brasileiro — a questão também é de
qualificação. Caso se qualifique como questão de direito material, o
controle pelo árbitro é admitido nos mesmos termos que permitido
ao juiz. com aplicação de lei estrangeira — quando da homologação dessa
sentença arbitral pelo STJ, o Tribunal não procederá à verificação da
constitucionalidade da lei estrangeira pelo árbitro no exterior, pois não
se examina o mérito da decisão a ser homologada no país.