A Constituição, na linguagem luhmanniana, é o
acoplamento ("ligação") estrutural entre política e Direito: possibilita solu-
ção jurídica do problema de auto-referência do sistema político
Quanto às funções da Lei Maior no Estado modemo,586 são elas resu
midas por Klaus Stem:587"a) A Constituição deve cumprir uma função de ordem;b) A Constituição deve garantir uma função de estabilidade;
c) A Constituição deve ocupar-se apenas do fundamental;
d) A Constituição deve atuar promovendo uma unidade (de ma
neira integradora);e) A Constituição deve limitar e controlar o poder;f) A Constituição deve garantir a liberdade, a autodeterminaçãoe a proteção jurídica do indivíduo;g) A Constituição deve fixar a estrutura organizativa fundamen
tal do Estado;
h) A Constituição deve conter as normas básicas, caracterizadorasdos fins do Estado e da posição jurídica do cidadão em relação
ao Estado".
Nossa abordagemfuncional da Constituição deve-se ao seu caráter finalista (teleológico)
orientativo (normatividade intencional), mas sem se identificar com concepções globais.
O círculo hermenêutico pode ser descrito - sob oenfoque da teoria dos sistemas - como um fenômeno de feedback. 625 Ainterpretação é um fenômeno de feedback: por meio da "retroalimentação"hermenêutica se busca o sentido ou significado da frase
K. Hesse sustenta que só se pode falar em interpretação quando exista
dúvida a superar. Para esse autor a interpretação constitucional stricto
sensu resulta necessária apenas quando temos que dar resposta a uma
questão constitucional em que o recurso aos enunciados da Lei Maior não
permita a solução do caso de forma conclusiva e satisfatória.
Essa forma de interpretação é denominada por Wróblewski "interpretação operativa": o órgão que aplica o para
Wróblewski - situam-se em dois tipos de normas: i) normas aplicadas de
forma gradual (v.g., regras teleológicas e diretrizes); ii) normas indiretamente aplicáveis, ou seja, preceitos constitucionais que se reportam a leis
que devem ser editadas e que, portanto, apenas por meio dessas leis adquirirão sua eficáciaDireito interpreta as regras utilizadas no processo de aplicação ao casoconcreto (real ou fictício)
odem os diferenciais traçadosser tipificados em três peculiaridades/fatores: caráter aberto/evolutivo (a), caráter político (politicidade) (b) e fator axiológico (c)
A conformação estrutural das normas da Lei Fundamental (vaguidade, conceitos indeterminados, fragmentariedade), aliando-se à
índole dos princípios (fixação de fins e valores), é, a um só tempo, condição
de possibilidade de o intérprete lograr concretizar a norma e condição de
sobrevivência da Constituição e do sistema jurídico. Assim, os princípios,
com a plasticidade de sua formulação lingüística, funcionam como"regras de calibração",687 que impedem que o sistema "quebre
Estacionar na "vontade do legislador histórico" é assumir uma concepção ideológica que toma como valores básicos a segurança, a estabilidade e a predicabilidade. Tipo ideológico chamado por Wróblewski de
"ideologia estática de interpretação", que privilegia diretrizes interpretativas lingüísticas e sistêmicas, em detrimento das funcionais
a orientação política imprimida pelo juiz em sua decisão (politicidade) não se confunde com preferências político-partidárias,
devendo respeitar as escolhas político-ideológicas expressadas pela maioria na Lei Fundamental. A orientação política que serve como referência
ao intérprete difere dos fatores políticos conjunturais e subjetivos em um
ponto básico: sua fonte de legitimidade. A primeira - o projeto político
- faz parte da Constituição
A primeira - ligada ao positivismo de H. Hart714 - parte do
pressuposto de que o Direito é um fenômeno basicamente comunicacional,
e, nos casos difíceis, os problemas são decorrentes em grande parte de
incompreensões na linguagem jurídica (vagueza, textura aberta, etc.). Nessa hipótese, para o positivismo hartiano, o juiz - quando se defrontasse
com um hard case - poderia/deveria utilizar-se da discricionariedade na
resolução do caso.
Na segunda posição (não-positivista), Dworkin aborda a questão
da discrição judicial7 15 sob o enfoque das fontes do Direito.716 Ou seja, o
fenômeno da discrição judicial surgiria quando - diante de um caso a decidir - o recurso às fontes sociais do Direito se mostrasse insuficiente: o
Direito positivo não apresentaria solução (hipótese de lacuna) para o caso,
ou a solução apresentada não se mostraria adequada, quando em compara-
ção a padrões de justiça socialmente admitidos. Nessas situações - contradições e lacunas do ordenamento- para Dworkin o juiz não teria discri-
ção, pois estaria vinculado a princípios
interpretação poder-se-iam superar as indeterminações semânticas ou incoerências axiológicas recorrendo-se a argumentos de princípios mesmo
não positivados (princípios morais).
, o conceito não-positivista de Direito -
na síntese de Figueroa - tende a restringir intensamente a discrição judicial (R. Alexy) ou mesmo eliminá-la (R. Dworkin), mediante a vincula-
ção do Direito (ou do discurso jurídico) à moral (ou ao discurso
moral.)72 1 Essa vinculação se daria pelos princípios.
O que queremos dizer, quando afirmamos que o encontro
da discricionariedade judicial com a politicidade da interpretação deve ter
solução jurídica, é que nas eleições e valorações formuladas o juiz há de
considerar uma série de elementos e critérios que são majoritariamente
jurídicos727 (v.g., precedentes jurisprudenciais, contribuições da ciência do
Direito, utilização de métodos - clássicos e específicos - de interpreta-
ção e, sobretudo, justificação racional), que exteriorizam a "pretensão de
correção" que toda decisão judicial possui, permitindo, pela transparência,
abertura ao controle social
lógica jurídica não se identifica com a lógica
formal, 735 também haverá "criação" quando a decisão não for diretamente
dedutível do texto, mas "mediatizada" pela argumentação
Em outras palavras, em nosso sentir, a decisão judicial será criativa se
sua obtenção ou formulação não estiver expressa e diretamente determinada
pelo Direito,739 requerendo valoração/argumentação740 por parte do juiz.74 1
é certo que toda interpretação tem "caráter estimativo" ou "valoração
axiológica"
na exegese constitucional, decorrente do que Wróblewski chama "contexto funcional" da Constituição´
universaliza-se o controle de constitucionalidade,
desmitifica-se o legislador e a noção de Direito não se identifica mais apenas com o ato legislativo. A lei -que passa a conviver com uma pluralidade de ordenamentos menores - deixa de ser vista como ato "impessoal,
genérico e abstrato", expressão pacífica de uma sociedade internamente
coerente e racional, passando a ser instrumento de competição e a refletir
interesses de grupos particulares
Essa polêmica traduz a oposição entre a
teoria subjetiva e a teoria objetiva. Compreendemos com K. Stern que
ambas as teorias não são satisfatórias. 809 Não existe algo como o significado objetivo, entendido como atribuição de sentido definitivo. Do ângulo da
"teoria subjetiva", embora seja importante a investigação dos motivos e
circunstância que impulsionaram sua criação
O
método tópico-problemático, no âmbito do direito constitucional, parte
das seguintes premissas: (a) caráter prático da interpretação
constitucional, dado que, como toda a interpretação, procura resolver
os problemas concretos; (2) caráter aberto, fragmentário ou
indeterminado da lei constitucional; (3) preferência pela discussão
do problema em virtude da open texture (abertura) das normas
constitucionais que não permitam qualquer dedução subsuntiva a partir
delas mesmo"
(1) os pressupostos subjectivos, dado que o intérprete desempenha um papel criador (pré-compreensão) na tarefa de obtenção do sentido do texto constitucional; (2) os pressupostos objectivos, isto é, o contexto actuando ointérprete como operador de mediações entre o texto e a situação em que
se aplica; (3) relação entre o texto e o contexto com a mediação criadora
do intérprete, transformando a interpretação em movimento de ir e vir (cír
culo hermenêutico)". 85 1
Concordamos com Hesse. De fato, o intérprete não é um ser situado
fora da história, em um mundo abstrato de formas vazias e sem significado.
Pelo contrário, o intérprete e toda a compreensão só ocorrem em situação
histórica concreta. Além de a interpretação se dar na história, o intérprete tem história.
o processo de interpretação não é autônomo, abstrato; porém, vincula-se a três elementos: à pré-compreensão do intérprete, ao
problema concreto a ser resolvido e à norma a ser concretizada
O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE FORTE: consiste na situação em que a autoridade pública deixa de aplicar a norma interna em razão de ela violar o bloco de convencionalidade e a própria jurisprudência internacional.
Já o CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE FRACO: também chamado de débil, se caracteriza como um mandado de interpretação das normas internas conforme o conteúdo disposto nos tratados internacionais de direitos humanos e na jurisprudência internacional.
método científicoespiritual baseiam-se na necessidade de a interpretação da Constituição
dever ter em conta: (i) as bases de valoração (ordem de valores, sistema de
valores) subjacentes ao texto constitucional; (ii) o sentido e a realidade
da Constituição como elemento do processo de integração
científico-espiritual, não podem ser aceitos em tudo aquilo que implique a primazia de fatores integrativos extrajurídicos sobre o texto constitucional. Pois bem, tal método acerta ao mostrar a influência da realidade social sobre a interpretação do texto constitucional (idéia que,
desde logo, deve levar-se em conta, e sobre a qual voltaremos)
ção seria causada pela identificação feita pela teoria pura entre "norma" e "texto da norma".
Outro ponto de referência na metódica de Müller é a abordagem
"indutiva". Novamente se contrapõe à concepção de Kelsen . Em
Kelsen,876 sustenta Müller, há a utilização do processo "dedutivo" (o intérprete parte da teoria para em seguida deduzir as conseqüências jurídicas
práticas). A teoria estruturante do direito inverte essa ordem: tem seu ponto de partida no processo "indutivo".
o programa normativo e o campo normativo formam a "norma jurí-
dica", que nesse estágio ainda está formulada de maneira abstrata
e genérica;
concretização não designa
a redução de uma norma geral às dimensões de um caso particular,
porém a produção de uma norma jurídica geral nascida em um quadro
de decisão de um caso concreto.
entendemos com Marcelo Neves que é possível
um conceito de concretização ainda mais amplo que o formulado por Müller.
Esse conceito amplo vislumbra bloqueio no processo de concretização sempre
que o conteúdo do texto legal densificado inconcreto (enunciado lingüístico da norma-decisão) é rejeitado, desconhecido ou desconsiderado nas interações concretas dos cidadãos e órgãos/grupos sociais.896 Em síntese, a
concretização normativa alcança - para além da construção da normadecisão - as diversas instâncias de eficácia da lei (observância, execução,
aplicação, uso).
a concepção de Müller dos pontos de vista filosó-
ficos da crítica da linguagem desenvolvida por Wittgenstein em sua segunda fase (reviravolta pragmática): o abandono da visão estática do estruturalismo lingüístico (ligado à linguagem enquanto sistema) em favor de uma
perspectiva que toma em consideração o locutor e a dinâmica da linguagem
(ação lingüística). Troca-se a teoria semântica tradicional, que considera a
significação como uma entidade fixa (fala-se em "significações" da mesma
maneira que se fala em "objetos"), pela teoria da ação lingüística, em
que o fundamento da significação se encontrará no uso prático: a
significação resultará de justificações e explicações de usos lingüísticos em
uma situação determinada
a interpretação é a construção de sentido, não a subsunção do "particular" ao "geral". Afasta-se
do positivismo formalista que vê texto como algo geral que pudesse ser
empregado posteriormente para uma aplicação particular
Metódica estruturante e sistêmica de Luhmann se tocam. A concretização - entendida como correspondência entre o texto constitucional e a
normatividade materialmente determinada91 0 - permite uma leitura pela
teoria dos sistemas de Luhmann. De fato, a inclusão de uma esfera pública
pluralista no processo de concretização constitucional, generalizando
congruentemente expectativas, oferece as condições para que haja submissão temática dos demais subsistemas sociais (Economia, Política, etc.)
à comutação seletiva por parte do código jurídico (lícito/ilícito)
princípio do efeito integrador "arranca da conflituosidade constitucionalmente racionalizada para conduzir a soluções pluralisticamente
integradoras"
Como corolário do "efeito integrador", Klaus Stern menciona93º-
aplicável especialmente em "estado federal" - o·"princípio de confian-
ça federal'', ou seja, as relações entre a União e os demais entes não
devem ser vistas corno de separação, mas, como de coordenação e participação conjunta. Subindo um grau em generalização, e abrangendo todos os
entes públicos, Stern se refere ao ''princípio da confiança recíproca entre os órgãos públicos"
Alexy esclarece que as chamadas "reservas legais" (normasde competência) não são restrições, mas apenas fundamentam a possibilidade jurídica de restrição e também devem ter previsão constitucional.957
Dessa forma, admitem-se as restrições de direitos fundamentais realizadas por princípios constitucionais contrapostos, restando o problema do alcance dessas restrições.
O balanceamento (balancing) ou ponderação (abwagung) como estratégia na concretização surge, pois, de uma tríplice contingência: a) a
necessidade de resolver "casos de tensão" entre direitos fundamentais
ou outros valores constitucionalmente protegidos; b) a inexistência de
ordenação in abstracto de bens e valores protegidos pela Lei Maior; c) a
estrutura típica de grande parte das normas de Direito Constitucional
(sobretudo aquelas que albergam direitos fundamentais)971 que não possibilitam aplicação por simples "subsunção".
Bonavides afirma que, "na medida em que se possa tomar por
método interpretativo, o princípio da proporcionali<{ade tem muito a
ver com a tópica".991 Entendemos de forma diversa. E certo que, ao se
"ponderarem" bens constitucionais, pode-se fazer uso da tópica ou de
quaisquer outros métodos de interpretação.
a proporcionalidade, embora possa
ser entendida como uma máxima de interpretação, não pode ser
tomada como um "método de interpretação
propugnamos que a proporcionalidade para consolidar-se
como princípio constitucional de interpretação deve ser dotada de
humildade. Para tanto, não pode prescindir de duas ajudas fundamentais: primeiro, exame detalhado das circunstâncias fáticas e normativas do caso a decidir, além da justificação das valorações realizadas
nesse exame. Segundo, aprofundamento no entendimento - fazendo
uso dos mais adequados métodos interpretativos - dos direitos e bens
constitucionais em questão, notando-se que - como exaustivamente estudado por F. Müller1000 -, no processo de concretização, ambas as
operações - análise do campo factual/normativo e programa da norma
- realizam simultaneamente e com recíproca influência, em contínuo "ir e
vir".1
parece-nos mais acertado falar, em lugar de um "novo
critério de interpretação", em proporcionalidade como uma "nova forma de argumentar'', empregada pelos aplicadores no caso de conflitos
entre normas, bens e interesses constitucionais.
Na verdade, a
"ponderação" e o "sopesamento" de bens e interesses sempre foram realizados pelos intérpretes. Apenas os nomes mudaram. O que era chamado
"juízo de eqüidade" 1004 hoje é denominado "proporcionalidade"
Nesse
julgado nota-se que o Tribunal não aplicou o "método-síntese"
de Alexy,1015 porquanto, embora tenha reconhecido o conflito de
princípios, considerou "indiscutível" a prevalência do princípio da
proteção dos direitos autorais. Deveria ter realizado o sopesamento
apresentando as razões da prioridade eleita. Em outra ocasião, no
conflito entre coisa julgada e princípio de justiça optou-se pela
prevalência deste último;
hermenêutica constitucional são: o caráter aberto/evolutivo; o
caráter político (politicidade) e o caráter axiológico
não apenas lógico/gramatical, mas, sobretudo sistemático/
teleológica, sem descurar da realidade subjacente à Constituição
(contexto funcional) e das características (escolhas/eleições) que
os casos difíceis oportunizam.