quinta-feira, 28 de julho de 2022

Informativo 733-STJ (Dizer o Direito)

 Caso concreto: ação de indenização ajuizada contra o Departamento de Estradas e Rodagens de Sergipe (DER/SE), em face da morte do pai e companheiro dos autores, decorrente de acidente de veículo em rodovia estadual, ocasionado por buraco não sinalizado. Segundo o entendimento do STJ, a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, a comprovação da conduta omissiva e culposa (negligência na atuação estatal - má prestação do serviço), o dano e o nexo causal entre ambos. No caso, restou incontroverso que o acidente com evento morte ocorreu em rodovia estadual, mediante a queda de caminhão em buraco de 15 metros de profundidade, decorrente da ausência de manutenção e fiscalização estatal da via pública, não havendo quaisquer indícios de culpa exclusiva da vítima. Desse modo, é possível concluir pela existência de omissão culposa por parte do ente público, consubstanciada na inobservância ao dever de fiscalização e sinalização da via pública, bem como pelo nexo causal entre a referida conduta estatal e o evento danoso, que resultou na morte do pai e marido dos recorrentes, causando-lhes, evidentemente, prejuízos materiais e morais, os quais devem ser indenizados. Presentes os elementos necessários para responsabilização do Estado pelo evento morte, deve-se reconhecer devida a indenização por danos materiais, visto que a dependência econômica dos cônjuges e filhos menores do de cujus é presumida, dispensando a demonstração por qualquer outro meio de prova. STJ. 1ª Turma. REsp 1.709.727-SE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


Não contrariando a lei nem sendo abusivo, o contrato administrativo pode tratar de renúncia a direito do contratado. Esta renúncia será eficaz e produzirá seus regulares efeitos na hipótese em que houver expressa concordância do contratado. Especificamente com relação aos advogados, o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) dispõe serem do advogado os honorários de sucumbência. Havia previsão expressa a respeito da impossibilidade de retirar-lhes esse direito. Estava no art. 24, § 3º. Contudo, em 2009, o STF declarou a inconstitucionalidade da regra, uma vez que se trata de direito disponível e, por isso, negociável com o constituinte do mandato (ADI 1194, Relatora p/ Acórdão Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009). Nessa linha, não se pode concluir pela abusividade ou ilegalidade da cláusula contratual que prevê a renúncia do direito aos honorários de sucumbência, notadamente quando a parte contratada, por livre e espontânea vontade, manifesta sua concordância e procede ao patrocínio das causas de seu cliente mediante a remuneração acertada no contrato. No caso em análise, a parte autora manifestou, de forma expressa e consciente, a renúncia e só procurou discutir a cláusula após o fim do contrato. STJ. 1ª Turma. AREsp 1.825.800-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


O período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva é computado em 1 dia de trabalho a cada 8 horas de instrução. STJ. 2ª Turma. REsp 1.876.297-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


O fato de ser o Fundo de Investimento em participação (FIP) constituído sob a forma de condomínio e de não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O patrimônio gerido pelo Fundo de Investimento em Participações pertence, em condomínio, a todos os investidores (cotistas), a impedir a responsabilização do fundo por dívida de um único cotista, de modo que, em tese, não poderia a constrição judicial recair sobre todo o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora da sua cota-parte. As cotas dos fundos de investimento podem ser objeto de penhora em processo de execução por dívidas pessoais dos próprios cotistas, mas não podem ser penhoradas por dívidas do fundo, tampouco de outros cotistas que não tenham nenhuma relação com o verdadeiro devedor. A impossibilidade de responsabilização do fundo por dívidas de um único cotista, de obrigatória observância em circunstâncias normais, deve ceder diante da comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, como forma de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico.

Comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo econômico. STJ. 3ª Turma. REsp 1.965.982-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


Situação adaptada: Campari é uma marca de bebida alcóolica surgida há muitos anos na Itália. Na década de 1970, a Campari celebrou contrato de distribuição com uma empresa brasileira (DSB), que seria a responsável pela produção, distribuição e comercialização da bebida no Brasil. Após muitos anos de contrato, a Campari decidiu não mais renovar o contrato e constituiu uma empresa própria para fazer as atividades que eram desenvolvidas pela contratada. A DSB ajuizou ação de indenização contra a Campari do Brasil Ltda alegando que a ré, de forma ilícita, apropriou-se de toda a estrutura de vendas e distribuição montado pela DSB, com vistas a criar sua própria organização de distribuição e venda do produto Campari. Requereu indenização pela apropriação indevida de todo o seu know-how relativo à sua estrutura de vendas e distribuição de produtos, de sua clientela, em resumo, de todo esse patrimônio incorpóreo desenvolvido por décadas. Para o STJ, a autora não tem direito à indenização. Nos contratos de distribuição é normal que o produtor seja amplamente informado e participe das técnicas mercadológicas usuais de venda desenvolvidas pela distribuidora e de seu campo de atuação. Essas informações não configuram expertise singular indenizável, ou seja, não é cabível, em regra, indenização pelo simples fato de o produtor utilizar essas informações para continuar vendendo o produto no futuro sem a participação da empresa distribuidora. Para que a Campari fosse condenada a indenizar seria necessário se provar que ela se utilizou de know-how secreto e original da distribuidora, o que não é o caso. Sem essa demonstração, o que se conclui é que a Campari utilizou-se dos conhecimentos e informações que adquiriu ao longo de todos esses anos de contrato em função do exercício legítimo do seu poder de controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor exclusivo. Vale ressaltar que, por força do próprio contrato, a empresa distribuidora deveria fornecer à Campari as informações sobre estratégias de vendas, marketing, base de consumidores etc. Assim, aquilo que a autora afirma que a ré se apropriou são informações que, pelo contrato, já deveriam ser fornecidas. Isso afasta o caráter original e/ou secreto desses dados. Ademais, a formação de clientela está normalmente associada às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor. Dessa feita, no caso, não se identifica nenhum elemento ou técnica distintiva original ou protegida por sigilo, legal ou contratualmente, a indicar apropriação indevida de know-how, sendo certo que a organização de lista de clientes ou a dinâmica de vendas transferida contratualmente não tem o condão de embasar pedido indenizatório de danos emergentes ou de lucros cessantes. STJ. 3ª Turma. REsp 1.727.824-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


No caso concreto, o STJ decidiu afastar a prisão civil com base nas seguintes particularidades: (i) o credor é maior de idade, com formação superior e inscrito no respectivo conselho de classe; (ii) o devedor de alimentos está com a saúde física e psicológica fragilizada, razão pela qual não consegue manter regularidade no exercício de atividade laborativa; e (iii) a dívida se prolongou no tempo e se tornou gravoso exigir todo seu montante para afastar o decreto de prisão. De acordo com o quadro fático delineado, a medida extrema da prisão civil, no caso, não vai conseguir compelir o devedor a cumprir a obrigação alimentar na medida em que, pelo menos desde 2017, nada foi pago ao credor, mesmo com a ameaça concreta de sua constrição, com a expedição do mandado de prisão civil em 2019, que só não foi efetivada em virtude da pandemia causada pelo Covid-19. A medida coativa extrema, no caso concreto, revela-se desnecessária e ineficaz, pois o risco alimentar e a própria sobrevivência do credor, não se mostram iminentes e insuperáveis, podendo ele, por si só, como vem fazendo, afastar a hipótese pelo próprio esforço. STJ. 3ª Turma. RHC 160.368-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


Todo paciente possui, como expressão do princípio da autonomia da vontade (autodeterminação), o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento médico, possibilitando, assim, manifestar, de forma livre e consciente, o seu interesse ou não na realização da terapêutica envolvida, por meio do consentimento informado. Esse dever de informação decorre do art. 22 do Código de Ética Médica e dos arts. 6º, III, e 14 do CDC. Além disso, o Código Civil também disciplinou sobre o assunto no art. 15. Justamente por isso, é indispensável o consentimento informado do paciente acerca dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico. O médico que deixa de informar o paciente acerca dos riscos da cirurgia incorre em negligência, e responde civilmente pelos danos resultantes da operação. Vale ressaltar, ainda, que a informação prestada pelo médico ao paciente, acerca dos riscos, benefícios e alternativas ao procedimento indicado, deve ser clara e precisa, não bastando que o profissional de saúde informe, de maneira genérica ou com termos técnicos, as eventuais repercussões no tratamento, o que comprometeria o consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de informação.

Com efeito, não se admite o chamado “blanket consente”, isto é, o consentimento genérico, em que não há individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o exercício de seu direito fundamental à autodeterminação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.848.862-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


A venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio. Logo, trata-se de um risco da própria atividade empresarial que visa ao lucro e que integra o investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço. Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento. Os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes. Caso concreto: ação de indenização proposta pelos consumidores em razão dos custos advindos da compra de ingresso para o evento Pretty Little Weekend, a ser sediado na cidade do Rio de Janeiro-RJ, cancelado, contudo, sem qualquer satisfação aos consumidores. A sociedade empresária que comercializou os ingressos no sistema on-line possui responsabilidade pela falha na prestação do serviço, a ensejar a reparação por danos materiais e a compensação dos danos morais. STJ. 3ª Turma. REsp 1.985.198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


Caso concreto: a parte autora ajuizou a primeira ação pedindo a devolução em dobro de todos os valores pagos com as tarifas declaradas nulas. Nessa ação é possível concluir que o pleito abarcou também os encargos incidentes sobre as respectivas tarifas. Se a parte eventualmente esqueceu de deduzir, de forma expressa, a pretensão de ressarcimento dos juros remuneratórios que incidiram sobre as tarifas declaradas nulas na primeira ação, não poderá propor nova demanda com essa finalidade, sob pena de violação à coisa julgada. O acessório (juros remuneratórios incidentes sobre a tarifa) segue o principal (valor correspondente à própria tarifa), razão pela qual o pedido de devolução de todos os valores pagos referentes à tarifa nula abrange, por dedução lógica, a restituição também dos respectivos encargos, sendo incabível, portanto, nova ação para rediscutir essa matéria. Desse modo, a declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores cobrados indevidamente, em ação ajuizada anteriormente com pedido de forma ampla, faz coisa julgada em relação ao pedido de repetição de indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as referidas tarifas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.899.115-PB, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2022 (Info 733).


Os §§ 2º e 3º do art. 36 da Lei nº 8.935/94 deixam claro que ao interventor caberá depositar em conta bancária especial metade da renda líquida da serventia, sendo certo que esse montante, em caso de condenação do cartorário titular, caberá ao próprio interventor, que terá indiscutível direito ao seu levantamento. No caso, não há controvérsia quanto a ter o titular da serventia sido condenado administrativamente, com o que perdeu a delegação. Assim, nos expressos termos da legislação vigente, aquela metade arrecadada durante o afastamento do titular deverá ser paga ao interventor. Vale ressaltar que o STF decidiu que: “Os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República.” (STF. Plenário. RE 808202 RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/08/2020. Repercussão Geral – Tema 779). Ocorre que a hipótese dos autos diz respeito a interventor e é distinta, em princípio, da situação que envolve “substitutos ou interinos”. Ademais, ainda que se aplique o precedente referido, o STF – na apreciação dos declaratórios – modulou os efeitos do aludido acórdão “a partir da data em que foi encerrada a sessão de julgamento virtual (21/8/20)”, sendo certo que a questão em julgamento é de período anterior. STJ. 1ª Turma. RMS 67.503-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/04/2022 (Info 733).



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