terça-feira, 6 de novembro de 2018

Você sabe o que é “Stealthing”?

Após o início de uma relação sexual inicialmente consentida e condicionada ao uso do preservativo masculino, o indivíduo dotado de órgão genital masculino remove o preservativo sem que a parceira ou o parceiro percebam

Não é possível caracterizar a conduta como crime de estupro, uma vez que o artigo 213 do Código Penal exige que a conjunção carnal ou ato libidinoso não consentidos se originem de violência ou grave ameaça praticada pelo autor, elementos inexistentes no modo de execução do “stealthing”. Não é possível, ainda, considerar a conduta estudada como violação sexual mediante fraude – artigo 215 do Código Penal – uma vez que esta pressupõe o uso, em momento anterior à relação, de artifícios fraudulentos que impeçam a vítima de manifestar consentimento livre de vícios, visando induzi-la e mantê-la em erro para a prática do ato sexual; com efeito, no “stealthing”, a vítima consente prévia e livremente com a relação, inexistindo indução fraudulenta.

Finalmente, não há como considerar a prática como crime de estupro de vulnerável – 217-A e seu §1o, do Código Penal – uma vez que no “stealthing”, via de regra, não incidem causas limitadoras da capacidade de resistência da vítima ou de seu discernimento sobre a situação; de modo diverso, a vítima encontra-se no pleno gozo de suas capacidades mentais e opta conscientemente por ter relações sexuais com o agente, que apenas em momento posterior retira o preservativo.

Ressalta-se, ainda, a impossibilidade de interpretar extensivamente o texto legal dos referidos crimes ou de utilizar analogia para tipificar o “stealthing”, em virtude da supremacia do princípio da estrita legalidade penal contido no artigo 5o, inciso XXXIX, da Constituição Federal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. No âmbito do Direito Penal não se admite a interpretação extensiva da norma nem a operação de analogia em prejuízo do réu, restando vedada a analogia in malam partem, entendida como aquela que prejudica o agente criminal.

Para além de mera política criminalizadora, a criação de novo tipo penal representa obrigação do Estado brasileiro para com os direitos de suas cidadãs e cidadãos. Tal obrigação estatal fundamenta-se nos fundamentais previstos pela própria Constituição Federal, na Lei Maria da Penha e nos tratados internacionais incorporados pelo Brasil, como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

http://www.justificando.com/2018/11/06/voce-sabe-o-que-e-stealthing/