Tanto é assim que o § 3.º do art. 49 determina que, durante 180 dias, não se admite “(…) a venda
ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade
empresarial”. Ou seja, o termo “proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis” do início
do § 3.º do art. 49, completa-se com a parte final do parágrafo, que não permite a venda ou
retirada de bens de capital. Esta proibição final não pode ser aplicada à cessão; na cessão de
recebíveis não há possibilidade de venda ou retirada de bens, há apenas apossamento puro
e simples do dinheiro recebido.
um instituto que não era ainda suficientemente conhecido, tanto que, repita-se, o § 3.º do
art. 49 dá solução que apenas se adapta aos casos de alienação fiduciária, não sendo possível
aplicá-lo aos casos de cessão fiduciária. Ressalte-se que aqui se trata de disposição que limita
o direito da sociedade empresária em recuperação, portanto norma restritiva de direito, que
só pode ser interpretada restritivamente, não pode ser interpretada ampliativamente.
Curiosamente, há entendimento jurisprudencial no sentido de que a cessão fiduciária não se
enquadra no termo “bens de capital”, do final do § 3.º do art. 49, o que é verdade; não se enquadra
porque o art. 49 cuida apenas de alienação, não cuida de cessão. Ou seja, é de se concluir
que o legislador, ao editar o art. 49, não pretendeu aplicá-lo à cessão e sim, à alienação,
dois institutos diferentes. (...) O art. 49 do substitutivo foi mantido na LREF e, ante o evidente
interesse social subjacente à recuperação e à falência, não se pode agregar à Lei, elementos que
venham a constituir óbices e tropeços à preservação da sociedade empresária, sob pena de
desvirtuamento de sua finalidade e de impossibilidade de atingir os fins econômico-sociais
perseguidos pelo legislador. O próprio relatório do Senador Ramez Tebet, falando apenas sobre
alienação, pois inexistente ainda a cessão, verberava a possibilidade de retomada de bens móveis
alienados ou arrendados e anotava: “Se se der o direito ao arrendador de retirar essas máquinas
durante o período de suspensão que caracteriza o início da recuperação judicial, fica inviabilizado
o soerguimento da empresa, pois nenhum plano de recuperação será viável se a empresa não
contar nem mesmo com a máquina indispensável à sua produção”. Nada foi dito sobre cessão
fiduciária, que ainda não existia à época da elaboração do relatório; no entanto, é intuitivo,
se o legislador não permitia a retirada das máquinas, muito menos permitiria a retirada
do dinheiro, muito mais indispensável à produção e ao chamado soerguimento. Campinho
(pg. 152, Falência e Recuperação de Empresa, 8ª ed.) lembra ainda que o § 3º do art. 49 fala em
“proprietário fiduciário”, não abrangendo a figura do cessionário, que é titular de um direito pessoal
e não do direito real do proprietário, arrematando que este § 3º é exceção e como tal deve ser
interpretado de forma restrita, não sendo, portanto, admissível a ampliação interpretativa.
(...) A conclusão a que se chega, portanto, é no sentido de que a LREF não admite que
se lhe oponha a cessão fiduciária, pois para o sistema desta Lei não existe cessão e, em
consequência, o cessionário é mero credor quirografário” (Lei de Recuperação de Empresas
e Falência, 13ª Ed., RT, pág. 184/187).
Assim, não há coerência, como ponderou o Juízo recorrido, em aplicar a extraconcursalidade
prevista para os casos de alienação fiduciária em garantia redação expressa do art. 49, §3º,
LRJ, que se sujeita à suspensão da excussão dos bens dados em garantia que sejam essenciais
ao funcionamento da empresa, aos casos de cessão fiduciária de recebíveis, e a esta afastar a
aplicabilidade da ressalva final do artigo 49, §3º, LRJ (“durante o prazo de suspensão a que se
refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de
capital essenciais a sua atividade empresarial”), sob o pretexto de que dinheiro não se enquadra
no conceito de bens de capital.
se a legislação tratou apenas sobre ‘bens de capital’ porque naquele instante legislativo não
se cogitava na aplicação da cessão fiduciária de recebíveis no caso, dinheiro -, não é possível
autorizar, já que agora se discute a extraconcursalidade também de créditos atrelados a bens
cedidos fiduciariamente, que a excussão de dinheiro não seja obstada pela suspensão decorrente
do stay period, se demonstrada a essencialidade, como no caso.
Em outras palavras, não pode a agravante querer fazer jus ao benefício legal da extraconcursalidade
para o seu crédito garantido por cessão fiduciária sem regramento literal próprio, sem se submeter
ao ônus que os próprios credores do art. 49, §3º, LRJ estão sujeitos
A revisão do processo disciplinar
prevista no art. 174 da Lei 8.112/1990 depende da estrita comprovação da existência de fatos
novos, desconhecidos ao tempo do processo disciplinar ou que não puderam ser alegados à época
(o que não se aplica às alegações de nulidades já existentes por ocasião do processamento do
PAD, a exemplo de irregularidades nos mandatos dos membros da comissão processante), ou de
circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da sanção aplicada
(MS 21.160/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe 1°/7/2015; MS 17.666/DF, Rel.
Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, DJe 16/12/2014; MS 20.824/DF, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18/8/2014; MS 16.657/DF, Rel. Ministro Humberto Martins,
Primeira Seção, DJe 20/5/2014; AgRg no AREsp 268.307/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia
Filho, Primeira Turma, DJe 18/10/2016)
Já em relação
ao argumento de que merece o processo disciplinar ser revisto, considerando a anulação pela via
jurisdicional (REsp 1.195.850-DF - processo 2010/0094809-3) da penalidade de demissão imposta
ao outro servidor que atuou em coautoria com o impetrante no ilícito administrativo, da mesma
forma não merece acolhida. É que, além de a penalidade de demissão estar acobertada pela coisa
julgada em Ação Individual proposta pelo impetrante, não podem os limites subjetivos da coisa
julgada ser estendidos a pessoas que não fizeram parte do processo (art. 506 do CPC/2015 e art.
472 do CPC/1973). CONCLUSÃO 16. Diante do exposto, denego a segurança. (MS 23.855/DF,
Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2018, DJe 08/11/2018)
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