EMENTA
I. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SISTEMÁTICA DE
RECURSOS REPETITIVOS. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE, COM OU SEM
O USO DE ARMA DE FOGO.
II. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO PELA VIA DA
JURISDIÇ]ÃO, COM APOIO PROCESSUAL EM QUALQUER MEIO
PROBATÓRIO MORALMENTE LEGÍTIMO, APÓS O ADVENTO DA LEI
9.032/1995, QUE ABOLIU A PRÉ-CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O
EFEITO DE RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE NOCIVIDADE OU RISCO À
SAÚDE DO TRABALHADOR, EM FACE DA ATIVIDADE LABORAL. SUPRESSÃO
PELO DECRETO 2.172/1997. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 57 E 58 DA LEI
8.213/1991.
III. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER
MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, DADA A INESGOTABILDIADE REAL DA
RELAÇÃO DESSES FATORES. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS NA
REGRA POSITIVA ENUNCIATIVA. REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA
NOCIVIDADE. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM
INTERMITENTE A FATORES DE RISCO (ART. 57, § 3o., DA LEI 8.213/1991).
IV. RECURSO ESPECIAL DO INSS PARCIALMENTE CONHECIDO
PARA NEGAR PROVIMENTO À PARTE CONHECIDA.
1. É certo que no período de vigência dos Decretos 53.831/1964 e
83.080/1979 a especialidade da atividade se dava por presunção legal, de modo
que bastava a informação acerca da profissão do Segurado para lhe assegurar a
contagem de tempo diferenciada. Contudo, mesmo em tal período se admitia o
reconhecimento de atividade especial em razão de outras profissões não
previstas nestes decretos, exigindo-se, nessas hipóteses provas cabais de que a
atividade nociva era exercida com a exposição aos agentes nocivos ali descritos.
2. Neste cenário, até a edição da Lei 9.032/1995, nos termos dos
Decretos 53.080/1979 e 83.080/1979, admite-se que a atividade de Vigilante, com
ou sem arma de fogo, seja considerada especial, por equiparação à de Guarda.
3. A partir da vigência da Lei 9.032/1995, o legislador suprimiu a
possibilidade de reconhecimento de condição especial de trabalho por presunção
de periculosidade decorrente do enquadramento na categoria profissional de
Vigilante. Contudo, deve-se entender que a vedação do reconhecimento por
enquadramento legal não impede a comprovação da especialidade por outros
meios de prova. Aliás, se fosse proclamada tal vedação, se estaria impedindo os
julgadores de proferir julgamentos e, na verdade, implantando na jurisdição a rotina
burocrática de apenas reproduzir com fidelidade o que a regra positiva contivesse.
Isso liquidaria a jurisdição previdenciária e impediria, definitivamente, as avaliações
judiciais sobre a justiça do caso concreto.
4. Desse modo, admite-se o reconhecimento da atividade especial
de Vigilante após a edição da Lei 9.032/1995, desde que apresentadas provas da
permanente exposição do Trabalhador à atividade nociva, independentemente do
uso de arma de fogo ou não.
5. Com o advento do Decreto 2.172/1997, a aposentadoria especial
sofre nova alteração, pois o novo texto não mais enumera ocupações, passando a
listar apenas os agentes considerados nocivos ao Trabalhador, e os agentes
assim considerados seriam, tão-somente, aqueles classificados como químicos,
físicos ou biológicos. Não traz o texto qualquer referência a atividades perigosas, o
que à primeira vista, poderia ao entendimento de que está excluída da legislação a
aposentadoria especial pela via da periculosidade. Essa conclusão, porém, seria a
negação da realidade e dos perigos da vida, por se fundar na crença – nunca
confirmada – de que as regras escritas podem mudar o mundo e as vicissitudes
do trabalho, os infortúnios e os acidentes, podem ser controlados pelos
enunciados normativos.
6. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991 assegura, de modo
expresso, o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua atividade
em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física,
dando impulso aos termos dos arts. 201, § 1o. e 202, II da Constituição Federal. A
interpretação da Lei Previdenciária não pode fugir dessas diretrizes
constitucionais, sob pena de eliminar do Direito Previdenciário o que ele tem de
específico, próprio e típico, que é a primazia dos Direitos Humanos e a garantia
jurídica dos bens da vida digna, como inalienáveis Direitos Fundamentais.
7. Assim, o fato de os decretos não mais contemplarem os agentes
perigosos não significa que eles – os agentes perigosos – tenham sido banidos
das relações de trabalho, da vida laboral ou que a sua eficácia agressiva da saúde
do Trabalhador tenha sido eliminada. Também não se pode intuir que não seja
mais possível o reconhecimento judicial da especialidade da atividade, já que todo
o ordenamento jurídico-constitucional, hierarquicamente superior, traz a garantia
de proteção à integridade física e à saúde do Trabalhador.
8. Corroborando tal assertiva, a Primeira Seção desta Corte, no
julgamento do 1.306.113/SC, fixou a orientação de que a despeito da supressão
do agente nocivo eletricidade, pelo Decreto 2.172/1997, é possível o
reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso,
desde que comprovada a exposição do Trabalhador de forma permanente, não
ocasional, nem intermitente. Esse julgamento deu amplitude e efetividade à função
de julgar e a entendeu como apta a dispensar proteções e garantias, máxime nos
casos em que a legislação alheou-se às poderosas e invencíveis realidades da
vida.
9. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a
possibilidade de caracterização da atividade de Vigilante como especial, com ou
sem o uso de arma de fogo, mesmo após 5.3.1997, desde que comprovada a
exposição do Trabalhador à atividade nociva, de forma permanente, não ocasional,
nem intermitente, com a devida e oportuna comprovação do risco à integridade
física do Trabalhador.
10. Firma-se a seguinte tese: é admissível o reconhecimento da
especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em
data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a
comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até
5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou
elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem
intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade
física do Segurado.
11. Análise do caso concreto: No caso dos autos, o Tribunal
reconhece haver comprovação da especialidade da atividade, a partir do conjunto
probatório formado nos autos, especialmente o perfil profissiográfico do Segurado.
Nesse cenário, não é possível acolher a pretensão do recursal do INSS que
defende a necessidade de comprovação do uso de arma de fogo para
caracterização do tempo especial.
12. Recurso Especial do INSS parcialmente conhecido, para, na
parte conhecida, se negar provimento.
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