quarta-feira, 3 de março de 2021

RECURSO ESPECIAL Nº 1.831.371 - SP (2019/0184299-4)

 EMENTA

I. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SISTEMÁTICA DE

RECURSOS REPETITIVOS. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE, COM OU SEM

O USO DE ARMA DE FOGO.

II. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO PELA VIA DA

JURISDIÇ]ÃO, COM APOIO PROCESSUAL EM QUALQUER MEIO

PROBATÓRIO MORALMENTE LEGÍTIMO, APÓS O ADVENTO DA LEI

9.032/1995, QUE ABOLIU A PRÉ-CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O

EFEITO DE RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE NOCIVIDADE OU RISCO À

SAÚDE DO TRABALHADOR, EM FACE DA ATIVIDADE LABORAL. SUPRESSÃO

PELO DECRETO 2.172/1997. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 57 E 58 DA LEI

8.213/1991.

III. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER

MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, DADA A INESGOTABILDIADE REAL DA

RELAÇÃO DESSES FATORES. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS NA

REGRA POSITIVA ENUNCIATIVA. REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA

NOCIVIDADE. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM

INTERMITENTE A FATORES DE RISCO (ART. 57, § 3o., DA LEI 8.213/1991).

IV. RECURSO ESPECIAL DO INSS PARCIALMENTE CONHECIDO

PARA NEGAR PROVIMENTO À PARTE CONHECIDA.

1. É certo que no período de vigência dos Decretos 53.831/1964 e

83.080/1979 a especialidade da atividade se dava por presunção legal, de modo

que bastava a informação acerca da profissão do Segurado para lhe assegurar a

contagem de tempo diferenciada. Contudo, mesmo em tal período se admitia o

reconhecimento de atividade especial em razão de outras profissões não

previstas nestes decretos, exigindo-se, nessas hipóteses provas cabais de que a

atividade nociva era exercida com a exposição aos agentes nocivos ali descritos.

2. Neste cenário, até a edição da Lei 9.032/1995, nos termos dos

Decretos 53.080/1979 e 83.080/1979, admite-se que a atividade de Vigilante, com

ou sem arma de fogo, seja considerada especial, por equiparação à de Guarda.

3. A partir da vigência da Lei 9.032/1995, o legislador suprimiu a

possibilidade de reconhecimento de condição especial de trabalho por presunção

de periculosidade decorrente do enquadramento na categoria profissional de

Vigilante. Contudo, deve-se entender que a vedação do reconhecimento por

enquadramento legal não impede a comprovação da especialidade por outros

meios de prova. Aliás, se fosse proclamada tal vedação, se estaria impedindo os

julgadores de proferir julgamentos e, na verdade, implantando na jurisdição a rotina

burocrática de apenas reproduzir com fidelidade o que a regra positiva contivesse.

Isso liquidaria a jurisdição previdenciária e impediria, definitivamente, as avaliações

judiciais sobre a justiça do caso concreto.

4. Desse modo, admite-se o reconhecimento da atividade especial

de Vigilante após a edição da Lei 9.032/1995, desde que apresentadas provas da

permanente exposição do Trabalhador à atividade nociva, independentemente do

uso de arma de fogo ou não.

5. Com o advento do Decreto 2.172/1997, a aposentadoria especial

sofre nova alteração, pois o novo texto não mais enumera ocupações, passando a

listar apenas os agentes considerados nocivos ao Trabalhador, e os agentes

assim considerados seriam, tão-somente, aqueles classificados como químicos,

físicos ou biológicos. Não traz o texto qualquer referência a atividades perigosas, o

que à primeira vista, poderia ao entendimento de que está excluída da legislação a

aposentadoria especial pela via da periculosidade. Essa conclusão, porém, seria a

negação da realidade e dos perigos da vida, por se fundar na crença – nunca

confirmada – de que as regras escritas podem mudar o mundo e as vicissitudes

do trabalho, os infortúnios e os acidentes, podem ser controlados pelos

enunciados normativos.

6. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991 assegura, de modo

expresso, o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua atividade

em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física,

dando impulso aos termos dos arts. 201, § 1o. e 202, II da Constituição Federal. A

interpretação da Lei Previdenciária não pode fugir dessas diretrizes

constitucionais, sob pena de eliminar do Direito Previdenciário o que ele tem de

específico, próprio e típico, que é a primazia dos Direitos Humanos e a garantia

jurídica dos bens da vida digna, como inalienáveis Direitos Fundamentais.

7. Assim, o fato de os decretos não mais contemplarem os agentes

perigosos não significa que eles – os agentes perigosos – tenham sido banidos

das relações de trabalho, da vida laboral ou que a sua eficácia agressiva da saúde

do Trabalhador tenha sido eliminada. Também não se pode intuir que não seja

mais possível o reconhecimento judicial da especialidade da atividade, já que todo

o ordenamento jurídico-constitucional, hierarquicamente superior, traz a garantia

de proteção à integridade física e à saúde do Trabalhador.

8. Corroborando tal assertiva, a Primeira Seção desta Corte, no

julgamento do 1.306.113/SC, fixou a orientação de que a despeito da supressão

do agente nocivo eletricidade, pelo Decreto 2.172/1997, é possível o

reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso,

desde que comprovada a exposição do Trabalhador de forma permanente, não

ocasional, nem intermitente. Esse julgamento deu amplitude e efetividade à função

de julgar e a entendeu como apta a dispensar proteções e garantias, máxime nos

casos em que a legislação alheou-se às poderosas e invencíveis realidades da

vida.

9. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a

possibilidade de caracterização da atividade de Vigilante como especial, com ou

sem o uso de arma de fogo, mesmo após 5.3.1997, desde que comprovada a

exposição do Trabalhador à atividade nociva, de forma permanente, não ocasional,

nem intermitente, com a devida e oportuna comprovação do risco à integridade

física do Trabalhador.

10. Firma-se a seguinte tese: é admissível o reconhecimento da

especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em

data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a

comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até

5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou

elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem

intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade

física do Segurado.

11. Análise do caso concreto: No caso dos autos, o Tribunal

reconhece haver comprovação da especialidade da atividade, a partir do conjunto

probatório formado nos autos, especialmente o perfil profissiográfico do Segurado.

Nesse cenário, não é possível acolher a pretensão do recursal do INSS que

defende a necessidade de comprovação do uso de arma de fogo para

caracterização do tempo especial.

12. Recurso Especial do INSS parcialmente conhecido, para, na

parte conhecida, se negar provimento.

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