O Plenário iniciou julgamento de ação direta de
constitucionalidade ajuizada contra o inciso IV do § 3º do art. 1º da Lei
13.301/2016 (1), que dispõe sobre a adoção de medidas de vigilância em saúde
quando verificada situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do
mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika.
O inciso impugnado prevê a
incorporação de mecanismos
de controle vetorial por meio da dispersão por aeronaves, mediante a aprovação
das autoridades sanitárias e a comprovação científica da eficácia da medida.
A ministra Cármen Lúcia (relatora)
julgou procedente o pleito para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV do § 3º do art. 1º da Lei
13.301/2016, por afrontar os preceitos constitucionais da saúde e do meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem assim os princípios da prevenção e da
precaução.
Ao tratar do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado [Constituição Federal (CF), art. 225], a
relatora apontou que, segundo o inciso V do § 1º, cabe ao poder público
controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente. Salientou que a
defesa do meio ambiente também é princípio da ordem econômica, compatível com a
livre iniciativa (CF, art. 170, VI). Ademais, o Supremo Tribunal Federal
(STF) acentuou, em
diversas ocasiões, que o direito à integridade do meio ambiente constitui
prerrogativa jurídica de titularidade coletiva.
A ministra esclareceu que o princípio
da proteção ao meio ambiente relaciona-se com o direito fundamental à saúde (CF, art. 6º e 196), pois a
alteração no equilíbrio do ecossistema e o prejuízo ao desenvolvimento
sustentável afetam o ser humano.
Assinalou que, na espécie, a dispersão de produtos
químicos por aeronaves para combate ao mosquito transmissor comprovadamente
apresenta risco de dano ao meio ambiente e à saúde humana, conforme
manifestações técnicas do poder público e de entidades especialistas.
A relatora citou diversos documentos
sobre os riscos decorrentes da pulverização aérea. De um lado, o fenômeno da deriva de produtos químicos lançados por
aeronaves em ambiente urbanos é a principal causa de contaminação do meio
ambiente e de intoxicação de populações. Do outro, o mosquito Aedes aegypti é um vetor de hábitos domiciliares, local da maior
parte de seus criadouros. Em uma nota informativa, há notícia da
existência de severas restrições à pulverização aérea pela Comunidade Europeia,
principalmente em
proximidades de áreas residenciais. Nela, relata-se caso de surto de
dengue na Jamaica, quando se constatou a baixa eficácia do método. Além disso,
indica que o Malathion, inseticida utilizado no Brasil, é considerado provável
carcinógeno em humanos. Em outro estudo, esclarece-se que este é o único inseticida disponível
para o controle de mosquitos vetores adultos, visto que todas as populações
estão resistentes aos demais, e que a dispersão aérea não foi incluída nas
abordagens selecionadas por especialistas em reunião internacional.
A ministra Cármen Lúcia registrou que a referida lei é
fruto da conversão da Medida Provisória (MP) 712/2016, editada para o combate
emergencial às doenças transmitidas pelo Aedes
aegypti. Todas as providências que o Poder Executivo entendeu necessárias
em face da situação foram previstas naquela norma. O inciso impugnado
foi incluído no processo de conversão em lei e objeto de diversas recomendações
de veto.
Avaliou configurar quadro de insegurança
jurídica e potencial risco de dano ao meio ambiente e à saúde humana. Por
certo, não cabe ao STF a escolha da política pública mais apropriada ao
enfrentamento das doenças causadas pelos vírus.
Os princípios da prevenção e da
precaução impõem cautela e prudência para e antes da edição de leis. Os estudos
e o aprofundamento das pesquisas sobre a eficácia científica da medida devem preceder
o ato normativo. Incabível cogitar-se da previsão legal, que o método de
dispersão por aeronaves será submetido a testes de comprovação científica e à
autorização por autoridades sanitárias.
No ponto, reiterou o Princípio 15 da Declaração do
Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, aprovada em 1992,
que estabeleceu a necessidade de ampla observância do princípio da precaução de
modo a proteger o meio ambiente. No Princípio, estipulou-se que, quando houver
ameaça de danos graves ou
irreversíveis, a ausência
de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para o
adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental. Fica demonstrada a intenção de privilegiar atos de
antecipação de riscos de danos em vez de atos de reparação, porquanto, em se tratando de meio ambiente,
nem sempre a reparação é possível ou viável. O mesmo poderia ser dito em
relação à saúde.
Deve-se agir prevenindo o dano
ambiental na hipótese de sua certeza, como preconiza o princípio da prevenção,
e também na hipótese de sua dúvida ou incerteza, inovação do princípio da
precaução. Esse princípio vincula-se
diretamente aos conceitos de necessidade de afastamento de perigo e adoção de
segurança dos procedimentos para a garantia das gerações futuras,
tornando-se efetiva a sustentabilidade ambiental das ações humanas.
Na nova ordem mundial, deve-se
adotar, como política pública, o que for preciso para antecipar-se aos danos
que se possa causar ao meio ambiente. Não se resolve crise na saúde pública com
a criação de outra igualmente danosa à saúde das pessoas e ao meio ambiente.
Ao acompanhar a relatora, em menor
extensão, o ministro Ricardo Lewandowski reputou ser procedente em parte a
pretensão, com o intuito de expungir a expressão “por meio de dispersão por
aeronaves” do teor do inciso IV do § 3º do art. 1º da Lei 13.301/2016. Esclareceu que, com a exclusão,
o texto continuaria a autorizar a incorporação de mecanismos de controle
vetorial mediante a aprovação
das autoridades sanitárias e a comprovação científica da eficácia da medida.
Sublinhou que a previsão legal de dispersão por
aeronaves constitui evidente violação ao dever da União de manutenção do
equilíbrio ambiental e ao princípio da vedação de retrocesso socioambiental,
preceito constitucional implícito que veda alterações legislativas e
administrativas voltadas a flexibilizar situações consolidadas de proteção
ambiental que impliquem involução de conquistas nesse campo.
Em divergência, o ministro Alexandre
de Moraes julgou improcedente o pleito. Segundo o ministro, na ação, confundiu-se o instrumento,
método de combate, com sua eventual utilização de modo abusivo ou errôneo.
A seu ver, a lei estabelece a
possibilidade de incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de
dispersão por aeronaves. Isso é muito mais amplo que somente a dispersão de inseticidas.
Recentemente, a Agência
Internacional de Energia Atômica, junto com a Organização das Nações Unidas
(ONU), vem usando drones no Brasil para o combate ao Aedes aegypti. O método é o mesmo, porém com a dispersão de grande quantidade de insetos
estéreis para conter a proliferação dos demais.
Não realiza a defesa do princípio da
precaução vedar, de forma absoluta, o mecanismo, que está sendo desenvolvido em
vários países mediante critérios específicos que garantem totalmente o meio
ambiente e a saúde pública. Não se trata de norma apta a vulnerar a saúde
humana ou o meio ambiente, pois sua eficácia, conforme o próprio texto da lei,
é condicionada a dois requisitos, exatamente para o cumprimento do art. 225, §
1º, V, da CF.
Ao estipular ampla proteção ao meio
ambiente, a Constituição não proíbe, de forma absoluta, qualquer produto,
qualquer comercialização, qualquer emprego de técnicas, métodos e substâncias
que, eventualmente, comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente. Determina expressamente que o poder público deve controlar a
produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem o risco. Nesse controle, legislativo ou administrativo, os requisitos
devem complementar e satisfazer o princípio da precaução.
A parte final do inciso IV do § 3º do art. 1º da Lei
13.301/2016 permite a incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio
de dispersão por aeronaves sem dizer quais são. Entretanto, isso somente será possível se esses
mecanismos forem aprovados, em cada caso, pelas autoridades sanitárias e se
comprovada a eficácia da medida cientificamente. Não será realizada a dispersão do fumacê por
aeronaves se não for aprovada e comprovada sua eficácia. A lei não determina a
realização imediata do método, apenas o prevê. Se de plano não houver
comprovação científica, não há autorização para o uso de determinado inseticida
nem será realizado. Contudo,
isso não leva o método à inconstitucionalidade.
O ministro ponderou não estar em
consonância com a própria proteção constitucional o afastamento absoluto de um
instrumento importante de combate à proliferação de inúmeras doenças. O poder
público, pelo texto legal, gozará de ampla margem de conformação para regulamentar o preceito
discutido, em pleno atendimento aos imperativos de proteção à saúde humana e ao
meio ambiente e de eficácia na política pública de combate ao mosquito. Há
grupo de trabalho criado no Poder Executivo, com a participação de diversas
entidades, exatamente para analisar quando é eficaz, quando pode ser utilizado
ou não, ou seja, para usar o mecanismo de maneira consentânea com o que exige a
Constituição. Deve haver controle rigoroso, políticas públicas rigorosas, e não
extirpar técnicas e métodos mais modernos.
Ademais, não há comprovação
científica de que toda e qualquer dispersão gere risco. O método apenas será
utilizado se aprovado pelas autoridades sanitárias, que controlam não só a
questão de saúde pública, como a do meio ambiente.
Os ministros Marco Aurélio, Gilmar
Mendes e Luiz Fux acompanharam o dissenso. O ministro Marco Aurélio enfatizou
que não se está a julgar ação popular ou de improbidade. Por sua vez, o
ministro Gilmar Mendes assinalou que a matéria está bem regulada e é
indiferente o fato de que não estava disposta na medida provisória. O ministro
Luiz Fux frisou que a ausência
de expertise impõe deferência ao
legislador, que, certamente, fez as análises próprias sobre o assunto.
Em sentido diverso, os ministros
Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber julgaram parcialmente procedente o
pedido. Deram
interpretação conforme à Constituição ao inciso adversado para acrescentar a
exigência de pronunciamento da autoridade ambiental, com o objetivo de fazer a
análise adequada do impacto que a providência produzirá no meio ambiente.
Além disso, conferiram a exegese
para fixar que a aprovação das autoridades competentes e a comprovação
científica da eficácia da medida são condições prévias e inafastáveis à incorporação
de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves, em
atendimento aos arts. 225, § 1º, IV (2), V e VII (3); 6º e 196 da CF.
O ministro Edson Fachin, ao
verificar o conjunto de premissas trazidas acerca da incidência do princípio da
precaução e do alcance do art. 225, firmou que a noção de risco ao meio
ambiente e de risco à saúde, derivado
de dúvida fundada, deve ser examinada e valorada à luz do princípio da
precaução. Nada obstante, ponderou
que o dever de evitar riscos está embutido no princípio da proteção
insuficiente e, portanto, projeta-se para a compreensão que se tem do papel do
Poder Judiciário.
A seu ver, retirar por completo o
preceito combatido geraria juízo científico de certeza sobre a ineficácia.
Mantê-lo como está significaria apenas aprovação da autoridade sanitária, que
não é suficiente. É preciso que se sane a dúvida a respeito da eficácia
científica, não levada a efeito, uma vez que o mecanismo não estava no texto
originário da medida provisória. Após reportar-se ao exame da ADI 4.874,
concluiu ser possível iluminar o alcance do comando normativo para delimitar as
condições nele existentes como prévias e inafastáveis à utilização do método,
em atendimento aos arts.
225, § 1º, V e VII (2); 6º e 196 da CF.
Por seu turno, o ministro Roberto
Barroso, ao refletir sobre o tema, anotou ter dúvida se o STF tem capacidade institucional para aferir
se está correta a proposição de que a pulverização aérea de produtos químicos,
além de não contribuir de
maneira eficaz, provoca importantes malefícios à saúde humana.
Compreendeu ser preciso o exercício da autocontenção para deferir o juízo à autoridade
competente. Agregou a necessidade de manifestação da autoridade competente em
matéria relativa ao meio ambiente. Arrematou que o dispositivo, por si só, não implica
inconstitucionalidade, mas deve ser lido com a complementação constitucional de
se exigir o pronunciamento da autoridade ambiental, à luz do art. 225, § 1º, IV
(3) e V, da CF.
A ministra Rosa Weber explicitou
conferir a interpretação, haja vista as condicionantes determinantes prescritas
no ato normativo, a ausência de conhecimento científico acumulado sobre a
extensão dos efeitos nocivos da pulverização aérea para a saúde e o meio
ambiente e a falta de evidência da ineficácia da medida. A efetividade da regra
e sua conformidade constitucional depende das autoridades administrativas e
sanitárias no exercício de suas atividades de controle. Competirá aos setores
responsáveis a comprovação da ineficácia do controle e da insegurança do ponto
de vista da saúde humana e do meio ambiente. Comprovado o consenso técnico
médio, a norma não incidirá.
Em seguida, o julgamento foi suspenso para
colher, em assentada posterior, os votos dos ministros Celso de Mello e
Dias Toffoli (presidente).
A
Primeira Turma, por maioria e com base em voto médio, deu provimento ao agravo
interno para determinar que o recurso extraordinário seja julgado pelo Plenário
do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na
origem, foi proposta ação
direta de inconstitucionalidade em tribunal de justiça estadual para questionar
dispositivos de lei orgânica municipal que atribuem à câmara municipal, com a
sanção do prefeito, a competência para legislar sobre denominação de próprios,
vias e logradouros públicos e suas alterações. A ação foi julgada
parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade da legislação, com efeitos ex tunc,
por violação ao princípio da separação dos poderes.
Monocraticamente,
o ministro Alexandre de Moraes (relator) deu provimento ao recurso para declarar
a constitucionalidade da
legislação, concedendo-lhe interpretação conforme à Constituição Federal para
reconhecer a coabitação normativa entre o Poder Executivo (decreto) e o Legislativo (lei
formal) no exercício dessa competência.
No julgamento colegiado, prevaleceu
o voto médio do ministro Marco Aurélio, no sentido de deslocar a apreciação do recurso
extraordinário para o Plenário, a quem compete o julgamento da demanda,
por se tratar de um
processo objetivo, que exige a realização de controle concentrado de
constitucionalidade de ato normativo.
Com
relação ao mérito, duas correntes foram formadas. O ministro relator votou para manter hígida a
decisão monocrática que deu provimento ao recurso extraordinário, no que foi
acompanhado pelo ministro Luiz Fux. Para eles, a competência para a denominação de vias e logradouros
públicos é concorrente. De um lado, representa atos de gestão do Poder Executivo, por meio de
decreto, para a organização administrativa e dos logradouros públicos. De outro, confere ao Poder
Legislativo a faculdade de editar leis tanto para conceder homenagens quanto
para valorizar o patrimônio histórico-cultural do município.
Por
sua vez, os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber negaram provimento ao
recurso extraordinário. Consideraram que essa atribuição é matéria de reserva administrativa, de
competência exclusiva do Poder Executivo. Sustentaram ser vedado ao Poder Legislativo subtrair do
Executivo essa competência, para definir, por meio de lei, nome de logradouros
púbicos, já que isso faz parte do núcleo essencial das competências
administrativas do Executivo.
fixou
a competência de tribunal do júri estadual para julgar ação penal movida contra
brasileiro nato, denunciado pela prática de homicídio de cidadão paraguaio,
ocorrido no Paraguai. O pedido
de extradição do brasileiro foi indeferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
em razão de sua condição de nacional [Constituição Federal de 1988 (CF/1988),
art. 5, LI] (1).
O colegiado entendeu que a prática do
crime de homicídio por brasileiro nato no exterior não ofende bens, serviços ou
interesses da União, sendo da Justiça estadual a competência para processar e
julgar a respectiva ação penal.
Asseverou,
também, que o Decreto
4.975/2004 (2), que
promulgou o Acordo de Extradição entre os Estados-Partes do Mercosul, por si só
não atrai a competência da Justiça Federal (CF/1988, art. 109, III, IV, e
X)] (3). Isso porque a
persecução penal não é fundada no acordo de extradição, mas no Código Penal
brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário