sábado, 22 de dezembro de 2018

Muito se discute sobre a existência de um Direito Agrário como uma disciplina jurídica específica, bem como de outras que desse ramo maior derivariam, tal como o Direito do Agronegócio e o Direito Agroalimentar.

A utilidade dessas classificações, bem como da criação de categorias jurídicas, deve ser demonstrada, sob pena de que se caia em artificialismos, em especial com a criação de termos, qualificações e especificidades que não servem para nada de útil.

Não é esse o caso do Direito Agrário, contudo. A doutrina, em especial italiana, identificou como sendo a característica comum que qualifica os institutos de Direito Agrário aquela que foi denominada agrariedade, ou seja, relacionada à vinculação desses mesmos institutos a um ciclo biológico concernente à criação de animais ou ao cultivo de vegetais[1].

Assim, o contrato, a empresa e a propriedade, por exemplo, que existem no Direito Agrário, não se diferenciam, quanto a cada um dos gêneros, daqueles que existem no Direito Comercial ou no Direito Civil. São todos eles conceitos originados no Direito Privado.

O que muda, na verdade, são as espécies. Assim, o contrato que esteja vinculado à transferência temporária de um imóvel rural para o cultivo de vegetais ou para a criação de animais, considerando a operação econômica subjacente e as suas características de vinculação ao referido ciclo biológico, deverá, por tal ideia de agrariedade, ser distinguido de outras espécies e poderá ser agrupado com outros institutos igualmente qualificados por essa peculiaridade.

Assim, como já reafirmava Fábio Maria De-Mattia[2], o Direito Agrário se constitui num ramo especial do Direito Privado, mas não autônomo. De fato, os princípios que informam tal disciplina jurídica não são peculiares a esse ramo do Direito, mas surgem a partir da fonte comum que serve a outras matérias, estando qualificados, de todo modo, pelo denominador comum compreendido no conceito de agrariedade.

Mesmo assim, são vários os contornos atribuídos à doutrina acerca dessa disciplina jurídica. Alguns o situam como sendo o Direito da Agricultura, outros como o Direito da Propriedade do Fundo Rústico, outros ainda tal como o Direito da Reforma Agrária, o Direito do Agricultor, o Direito da Atividade Agrária ou então, como é a nossa compreensão, tal como o Direito da Empresa Agrária.

Cremos, de fato, na centralidade do instituto da empresa dentre aqueles contidos no Direito Agrário. Nele vemos a congregação jurídica das figuras fundamentais da actio, da personae e da res, dando forma a um ramo do Direito que se preocupa, acima de tudo, com a dinâmica vinculada à existência de bens de produção, utilizados pelo empresário de maneira economicamente apreciável.

Qual é a noção dessa empresa qualificada pela agrariedade? Ora, a empresa agrária pode ser definida como sendo a atividade organizada profissionalmente em um estabelecimento adequado ao cultivo de vegetais ou à criação de animais, desenvolvida com o objetivo de produção de bens para o consumo.

Busca-se retirar, pois, com tal conceito, toda e qualquer perspectiva qualitativa de tal instituto, isto é, que pretenda tirar virtudes ou defeitos a respeito da ideia da noção de empresa.

De fato, não temos em mente, quando buscamos identificar esse instituto jurídico, indicar a empresa aceitável ou inaceitável, acolhida ou rejeitada pelo ordenamento social. Vemos, simplesmente, a sua existência pela configuração de fenômenos presentes nos sistemas jurídico-econômicos em geral e que, assim, impõe que a ela sejam dedicados atenção e estudos.

A partir dessa definição, podemos apontar aquilo que consideramos os requisitos da empresa agrária: a) a organização, que deverá estar presente tanto em relação aos bens como em relação à atividade; b) a economicidade da produção, com o que desconsideramos, assim, a necessária verificação de lucro, mas apenas a presença de uma equação de coerência entre os meios da produção e os resultados auferidos; e c) a profissionalidade, entendida essa como a “não ocasionalidade” das atividade agrárias desenvolvidas pelo empresário.

Já seus elementos podem ser identificados como sendo: a) a atividade, na qual se destacam aquelas tidas como principais, vinculadas ao cultivo de vegetais e à criação de animais, e conexas, relacionadas à industrialização de comercialização dos bens orgânicos produzidos num determinado estabelecimento; b) o empresário, como sendo o titular do poder de destinação; e, por fim, c) o estabelecimento, cuja imagem é a da “projeção patrimonial da empresa”.

Dentre os elementos da empresa, entendemos ser a atividade aquele que, estruturalmente, predomina em relação aos demais. É, de fato, a atividade que qualifica a empresa, enquanto os outros elementos podem ser entendidos, num certo sentido, como sendo neutros. Assim, ninguém nasce empresário, ou um conjunto de bens não organizados não tem, em regra, o direcionamento para produzir isso ou aquilo.

Com efeito, define-se a atividade em geral como sendo uma série de atos coordenados em função de um objetivo comum. Dentre as atividades produtivas, podem ser identificadas três modalidades maiores, quais sejam aquelas vinculadas: a) à produção de bens ou serviços; b) à transformação dos produtos; e c) à comercialização desses produtos.

Destaque-se, desde logo, que não se impõe, numa determinada empresa, que seja uma dessas atividades realizada com exclusividade. No caso específico da empresa agrária, o que se impõe é que seja a atividade predominante, denominada como principal, concernente à criação de animais ou ao cultivo de vegetais, podendo com elas coexistir outras, sempre subsidiárias.

Portanto, essa finalidade, alcançada pela sequência de atos organizados, é que qualifica a empresa agrária, distinguindo-a das demais espécies.

Já as assim denominadas atividades conexas, basicamente vinculadas à comercialização e à industrialização dos produtos realizados, devem estar ligadas, necessariamente e no caso das empresas agrárias, a uma das atividades principais de cultivo de vegetais ou de criação de animais.

Para que possam ser tais atividades caracterizadas como verdadeira e propriamente conexas, duas perspectivas existem: a) a subjetiva: que sejam realizadas pelo mesmo empresário; b) a objetiva: que ocorra uma ligação econômica de fato entre as atividades, dentro de um critério de normalidade, de apreciação necessariamente casuística.

Por fim, finalizamos nossas considerações a respeito das atividades agrárias delas excluindo, com base nos argumentos anteriormente expostos, aquelas de natureza extrativa, exatamente por não disporem essas de uma intervenção humana constante durante o inteiro desenvolvimento do ciclo biológico. Não podendo ser tais atividades, portanto, principais, nada obsta que adquiram o caráter de atividades agrárias conexas, uma vez demonstrado, de maneira real, o vínculo com alguma atividade de natureza principal.

Outro elemento da empresa é aquele representado pela figura do empresário. É ele o titular do chamado poder de destinação, ou seja, detém a gestão produtiva sobre determinados bens, sendo deles o proprietário ou não.

Assim, além daqueles direitos básicos, vinculados ao direito de propriedade, consistentes no gozo, na fruição e na disposição dos bens, lícito é que se vislumbre outro poder, exatamente vinculado à ideia de gestão produtiva de bens que, pela natureza, podem possuir finalidades econômicas. É, em suma, o dito poder de destinação.

Num primeiro momento, tal possibilidade de gestão produtiva fica a cargo do proprietário do bem. Contudo, pela celebração de um contrato agrário possibilita-se que o empresário não proprietário adquira tal poder de destinação e, desse modo, oriente os bens componentes do estabelecimento ao exercício da função determinada pela natureza própria dos mesmos.

Dois requisitos podem ser desde logo indicados para que possa um determinado sujeito receber o qualificativo de empresário.

O primeiro, no sentido de que exerça tais atividades de modo não ocasional.

O segundo, que seja dele a iniciativa de desenvolvimento da atividade produtiva, a qual se configura de duas formas: a) pela organização dos fatores de produção; b) pela imputabilidade dos riscos técnicos e econômicos.

É exatamente o empresário, pois, quem dirige tais bens de produção às suas finalidades precípuas, distinguindo-os dos meros bens de consumo, o que realiza por meio do exercício de seu poder de destinação.

Por outro lado, é com base no contrato agrário que se dissocia a figura do proprietário dos bens componentes do estabelecimento agrário daquela do empresário.

Por fim, o último elemento da empresa é aquele representado pelo estabelecimento agrário, ou seja, “pelo conjunto de bens móveis, imóveis, materiais e imateriais organizados pelo empresário, dispostos para a finalidade precípua de realização estável e profissional das atividades agrárias principais ou conexas, necessárias à obtenção de produtos animais e vegetais ao consumo e dotados de valor economicamente apreciável”.

Serve esse conjunto de bens, portanto e necessariamente, ao exercício de atividades agrárias de criação de animais e de cultivo de vegetais, desenvolvidas pelo empresário.

Verifica-se, desde logo, que o conceito de estabelecimento origina-se da evolução, em complexidade, dos elementos envolvidos no desenvolvimento dessas atividades agrárias. Passa-se, de fato, do conceito da terra nua para aquele do fundo aparelhado — ou seja, da terra produtiva, acrescida de instrumentos, tais como animais de trabalho, máquinas e demais ferramentas chegando-se, por fim, à noção de estabelecimento, quando se somam aos bens materiais também aqueles de natureza imaterial, bem como o aviamento e a possibilidade jurídica de circulação do fundo.

Acrescente-se, ainda, que a própria necessidade de existência do fundo rústico no âmbito do estabelecimento agrário foi já mitigada pela doutrina mais bem orientada, reconhecendo-se que em algumas empresas, vinculadas à produção de frangos ou ao cultivo de vegetais em estufa, por exemplo, a presença do solo como fonte de elementos químicos e biológicos para o desenvolvimento da produção desvanece.

A natureza jurídica desse elemento da empresa é, por outro lado, controversa em doutrina. Os estudiosos definem o estabelecimento de várias formas, tal como um sujeito de direitos, como um núcleo patrimonial autônomo, como uma universalidade de direitos, como um bem imaterial, como um negócio jurídico, como uma organização, ou, ainda, como uma universalidade de fato. Com o advento de nosso atual Código Civil, a natureza do estabelecimento como universalidade de direito parece clara, do modo como definido pelo seu artigo 1.142.

Dentre os elementos do estabelecimento, encontramos os bens materiais, os bens imateriais, os produtos vegetais e animais, auferidos pelo desenvolvimento das atividades agrárias no âmbito do estabelecimento; e os créditos e débitos, envolvidos na atividade.

Na categoria dos bens materiais, temos o fundo rústico, que geralmente atribui uma configuração concêntrica ao estabelecimento agrário; e as demais coisas envolvidas no desenvolvimento da atividade, as quais denominamos, genericamente, como instrumentos (por exemplo, as sementes, os animais de trabalho, as máquinas e ferramentas).

Além dos bens materiais, outros, com uma configuração meramente intelectual, acham-se presentes no estabelecimento agrário, dentre os quais podemos indicar a firma, a marca, a insígnia, os certificados de origem e as patentes vegetais e animais.

Verifica-se no estabelecimento agrário, ainda, a presença do aviamento, definido como sendo a “finalidade de persecução de objetivos produtivos, realizados de forma economicamente viável”.

Em suma, temos aqui diversos institutos jurídicos, afetados por elementos vinculados à natureza de um modo peculiar.

Sob essa lógica, pois, é que se estrutura o Direito Agrário e que se justifica a sua existência como ramo especial da ciência jurídica.

[1] Conferir, sobretudo, Carrozza, Antonio; Lezione di Diritto Agrário I, Elementi di Teoria Generali, Milão, Giuffrè, 1988.
[2] Conf. Especialidade do Direito Agrário. Tese apresentada no concurso para Professor Titular no Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

https://www.conjur.com.br/2017-mar-24/direito-agronegocio-especialidade-institutos-juridicos-direito-agrario

Na ciência do Direito, as ideias e conceitos têm um grau de mutabilidade particular. Não há qualquer problema nisso. Caso mudem ou devam mudar os costumes, os objetivos, os desejos comuns da sociedade, cabe ao Direito reconhecer a transformação e apreciá-la, no sentido de valorizar a nova prática, caso vislumbre nela virtudes, ou de coibi-la, se preponderarem os seus defeitos.

No conjunto das fontes jurídicas, os princípios gerais tendem a ter uma existência duradoura. Contudo, mesmo eles estão sujeitos aos temperamentos do tempo. Assim, quando pensamos na liberdade como princípio clássico da teoria geral dos contratos ou no direito à vida, tal como o mais importante dos direitos da personalidade, devemos reconhecer as grandes exceções existentes às regras gerais, o que dá conta, se não da efemeridade, por certo da necessidade de que admitamos, no âmbito da disciplina do Direito, estarmos diante de um sistema que não se rege por axiomas.

Voltando aos nossos exemplos, vemos como é difícil conciliar a ideia de liberdade contratual com as figuras representativas dos chamados contratos de adesão, ou então, quando pensamos no valor fundamental da proteção à vida, constatamos todas as persistentes discussões referentes a temas de grande gravidade e importância, tais como aqueles que se referem ao aborto, à eutanásia ou às penas de morte, constantemente tratadas em nossa sociedade.

Se os princípios jurídicos não são impermeáveis às mudanças sociais e econômicas, não devemos pensar nas leis como conjuntos de ordens e mandamentos imutáveis e, menos ainda, aquelas que tratam de questões vinculadas a operações econômicas como algo que possa permanecer desafiando a natureza, a lógica e a aritmética.

Nesse sentido, há utilidade em relembrar duas noções fundamentais. Uma delas é a do contrato, e outra é a da empresa.

Quanto ao contrato, não pretendo aqui defini-lo, mas dar a esse instituto um contorno possível, ainda que não totalmente preciso. É o que nele vê o instrumento jurídico de alguma operação econômica, tal como destacado especialmente por Vincenzo Roppo, dentre outros.

Todavia, é certo dizer que todo contrato traduz, necessariamente, uma operação econômica? Não, assim não é. Podemos nos lembrar dos contratos de associação que podem, por exemplo, ter finalidades de cunho meramente cultural e ou congregação de pessoas, pura e simplesmente. Não há dúvida, porém, que os contratos têm parte significativa da sua motivação, finalidade e justificação no regramento de atividades econômicas ajustadas pelas partes e respaldadas pelo Estado, uma vez que não atentem contra a própria lei e a ordem pública.

No Direito Agrário, há contratos nominados, típicos e, portanto, regulados pela lei — o Estatuto da Terra — cuja finalidade é, sobretudo, a de tornar jurídicas, ou seja, reconhecidas e respaldadas pelo Direito, relações de cunho econômico, relativas à produção de bens agrícolas e pecuários, passíveis ou não de transformação e que, de algum modo, tenham valor relevante e passível de atribuição a determinadas pessoas.

São esses os contratos de arrendamento e de parceria, regulados pelos artigos 92 e seguintes dessa lei. Falaremos deles em seguida.

A segunda noção importante é a que se refere à empresa, também instituto fundamental no Direito Agrário. A empresa é, principalmente, atividade organizada, voltada à produção de bens ou de serviços destinados ao consumo.

No Direito Agrário, a peculiaridade se concentra na utilização dos recursos naturais, sobretudo a terra, para a produção desses frutos, sujeitos ao desenvolvimento de um ciclo biológico (Carrozza).

Delineados esses conceitos, podemos avançar para a análise de determinadas questões que surgem ao confrontarmos a lei vigente com problemas concretos, atinentes às atividades agrárias. Assim, valem as perguntas: serve o atual Estatuto da Terra para dar respaldo legal adequado às operações econômicas que devam ser instrumentalizadas contratualmente? Estabelece essa lei os devidos limites e contornos às atividades organizadas sujeitas aos chamados fatores técnicos — elementos extrajurídicos que condicionam a produção —, relacionados aos ciclos biológicos das diferentes culturas, dos diferentes animais? Reconhece a tecnologia atual, bem como as transformações de produtos feitas pelas chamadas agroindústrias, o uso de sementes transgênicas? Está adaptado às limitações do uso da água, às proibições de determinadas práticas de manejo e de cultivo, às restrições aos direitos de propriedade? Por fim, considera a atual posição do Brasil no rol de grandes produtores agrícolas e pecuários, projetando as suas perspectivas para o futuro?

Parecem-me serem sempre negativas as respostas a tais questões.

O que fazer?

No caso, dentre as soluções complexas que tais desafios igualmente complexos exigem, uma delas pode ser sintetizada de modo simples: a mudança da lei.

Que lei é essa? É, nada mais, nada menos, aquela que deveria ser — e assim o foi, por longo tempo — a mais importante a tratar da matéria, exatamente o papel desempenhado pelo Estatuto da Terra.

Nesse sentido, a sua relevância e as suas finalidades fundamentais ressaltam o seu envelhecimento e o seu anacronismo com as necessidades e realidades vigentes.

Para demonstrar essa afirmação, basta a leitura de alguns dos artigos contidos nessa lei de 1964. É o caso do artigo 4º do Estatuto da Terra, no qual são definidos os conceitos de minifúndio (inciso IV), de latifúndio (inciso V) e de empresa rural (inciso VI). Tal classificação, contudo, não foi acolhida pela Constituição Federal (artigo 185) e pela Lei 8.629 de 1993 (que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agraria), as quais preferiram adotar o conceito de pequena e média propriedade, bem como de propriedade produtiva.

Também no capítulo referente ao Imposto Territorial Rural (artigos 48 e seguintes), há antinomias com as regras constantes do Código Tributário Nacional no que se refere à caracterização do imóvel rural, ou seja, se essa qualificação decorre da sua destinação às atividades agrárias (artigo 4º, inciso I, combinado com o artigo 49 do Estatuto da Terra) ou da sua localização (artigo 29 do CTN), tendo prevalecido na jurisprudência já consolidada esse último critério.

Nesse quadro de desencontro entre realidades fáticas e regramentos legais, quero destacar, em especial, um aspecto que me parece fundamental e que tem sofrido mais profundamente as consequências da desatualização do Estatuto da Terra em relação à realidade econômica e social do Brasil atual.

É, justamente, o ponto que se refere aos contratos agrários, tratados especialmente pelos artigos 92 e seguintes do Estatuto da Terra.

As operações econômicas de caráter agrário — fundamento para os contratos de arrendamento e de parceria — mudaram enormemente ao longo desses mais de 50 anos da existência dessa lei.

O Brasil não é mais um país monocultor ou dependente de poucas espécies de lavouras. Transformou-se num dos grandes exportadores líquidos do mundo, dominando uma série de ciclos produtivos de commodities agrícolas e de criações de animais, tendo se tornado um dos grandes atores na produção e comercialização de uma série de gêneros alimentícios.

Além disso, esse novo viés da produção tem como agentes também as grandes empresas, com atuação não apenas nacional, muitas vezes extrapolando as nossas fronteiras.

Os métodos de produção, por outro lado, em especial aqueles desenvolvidos em novas áreas de produção agrícola, valem-se de fórmulas de organização das atividades que se aproximam daquelas próprias às estruturas de natureza industrial.

Ora, essas circunstâncias não foram aquelas reconhecidas pelo legislador do Estatuto da Terra, mesmo porque não era essa a realidade vivida então no Brasil.

Criou-se, naquela época, um regramento legal que pressupunha a ideia de que os que não eram os proprietários da terra seriam, necessariamente, hipossuficientes e então merecedores e destinatários das inúmeras cláusulas de proteção inseridas obrigatoriamente nos contratos agrários.

Assim foram previstos prazos mínimos para a contratação no arrendamento (artigo 95, inciso II, combinado com o artigo 21 do Decreto 59.566, de 14/11/1966), preços máximos de pagamento pela cessão do uso do imóvel (artigo 95, inciso XII), direitos de preferência na renovação dos contratos (artigo 95, inciso V), dentre outras vantagens atribuídas ao não proprietário.

Esses benefícios poderiam ser justificados, em dado momento histórico, pela referida presunção de fragilidade econômica e negocial do arrendatário ou do parceiro outorgado.

Podem ser justificados, caso as situações pensadas como sendo as únicas se reproduzam em determinados locais e momentos.

Contudo, devem ser também e necessariamente contempladas outras situações, cada vez mais comuns.

Contata-se, de fato, que muitos dos que arrendam áreas são grandes empresas da agroindústria, com padrões de organização e de estrutura econômica financeira muito superiores àquelas de que dispõem vários dos atuais arrendantes de áreas.

Sendo assim, há ainda sentido que essas presunções legislativas, presentes no Estatuto da Terra, sejam aplicadas à generalidade dos casos?

Na verdade, determinados contratantes, beneficiados pela lei, são em várias situações as partes mais robustas economicamente e que detém não apenas o controle dos meios de produção mais relevantes, como também o conjunto das informações necessárias à atividade que desenvolvem. Dá-se aqui, claramente, uma inversão de posições, ainda não reconhecida pelo legislador.

Faltando a iniciativa legislativa, o Poder Judiciário parece ter se sentido, mais uma vez, livre para criar e, assim, para reconhecer a inaplicabilidade dessa lei a determinados contratos agrários (vide, nesse sentido, o REsp 1.566.006/RS).

Contudo, não é esse o melhor caminho, creio eu.

É mais do que necessário que se formule uma lei geral das atividades, dos contratos e das empresas agrárias. Essa é a fonte primeira do Direito, e da sua reformulação não podem se furtar os nossos legisladores.

É preciso também que as relações econômicas existentes e que transcendem o mero plantio de vegetais ou a criação de animais sejam reconhecidas, dada a gama de atividades que atualmente podem ser classificadas como agrárias.

Os imperativos econômicos e sociais já se colocaram, pois. O Brasil precisa de um novo Estatuto da Terra.
https://www.conjur.com.br/2017-fev-24/direito-agronegocio-mudancas-sociais-economicas-pedem-estatuto-terra


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