O direito à vida , previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, tem como primeira vertente o direito de viver, isto é, de não ser arbitrariamente morto, que é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, salvo raras exceções como a pena de morte, em caso de guerra declarada, e a legítima defesa prevista no Código Penal, sendo tratado pela doutrina como um direito fundamental de 1ª geração, exigindo um respeito e uma abstenção do Estado e de outros particulares em relação a ele.
POR OUTRO LADO, como segunda vertente, destaca-se o direito de viver com dignidade, isto é, com as necessidades essenciais à dignidade da pessoa humana, como os direitos sociais prestacionais, de dever estatal, sobressaindo, nesse ponto, os direitos fundamentais de 2ª dimensão. Isso ocorre, haja vista a característica da indivisibilidade dos direitos fundamentais, pois uma dimensão serve a outra, formando um todo indivisível, essencial à dignidade da pessoa humana.
http://www.eduardorgoncalves.com.br/2018/12/resposta-da-superquarta-46-direito.html
http://www.eduardorgoncalves.com.br/2018/12/suspensao-de-liminar-pode-ser-usado-nas.html
Como todos sabem, nada data de ontem, o Min. Marco Aurélio do STF concedeu liminar na ação declaratória de constitucionalidade n. 54 e suspendeu a execução da pena de condenados em segunda instância, mas que possuem recurso extraordinário ou especial pendentes de julgamento. Veja-se:
Convencido da urgência da apreciação do tema, aciono os artigos 10 da Lei nº 9.868/1999, 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999 e 21, inciso V, do Regimento Interno e defiro a liminar para, reconhecendo a harmonia, com a Constituição Federal, do artigo 283 do Código de Processo Penal, determinar a suspensão de execução de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não haja transitado em julgado, bem assim a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação, reservando-se o recolhimento aos casos verdadeiramente enquadráveis no artigo 312 do mencionado diploma processual.
Pois bem, horas depois a PGR se utilizou de um instrumento conhecido como suspensão de liminar a fim de buscar a cessação dos efeitos dessa decisão. Vamos falar desse instrumento.
A suspensão de liminar está prevista no art. 25 da Lei 8.038. Veja-se:“Art. 25 - Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal.”
Também há previsão nos seguintes dispositivos: art. 4º da Lei 4348/1964, Art. 12 da Lei 7347/1985, art. 4º da lei 8437/1993 dentre outros.
Vejamos o que já escrevi no blog sobre o instituto:
O pedido de suspensão é um mero incidente e tem natureza de contracautela processual, pois visa a assegurar o interesse público a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública. Ora, se a concessão de provimentos liminares visa a proteger o interesse- em regra- privado, a suspensão do cumprimento dessa decisão visa a proteger o interesse de toda a sociedade.
Tem legitimidade para pleitear a suspensão de provimentos liminares a Fazenda Pública lesada, o Ministério Público enquanto defensor de direitos indisponíveis da sociedade, bem como empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviços públicos.
O pedido deve ser feito ao presidente do tribunal imediatamente superior a autoridade que proferiu a decisão atacada e que seria competente para julgar eventual recurso. Assim, se concedida à medida em primeiro grau, o pedido será formulado perante o Tribunal de Justiça local ou Tribunal Regional Federal, se concedida pelo relator em sede de agravo de instrumento, a competência será do presidente do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal conforme a matéria discutida seja infraconstitucional ou constitucional, em havendo os dois fundamentos, o presidente do Supremo Tribunal Federal atrai a competência para si. Como não se trata de recurso da decisão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal respectivo não cabe a interposição nem de recurso especial, nem de recurso extraordinário, mas sim renovação direta do pedido nas instâncias superiores.
Ao analisar o requerimento de suspensão, o presidente de tribunal não adentra no mérito da questão controvertida, limitando a fazer um juízo discricionário e político, sendo que “o objeto de julgamento desse incidente é a verificação se há o risco potencial de grave lesão entre a decisão proferida e os interesses públicos tutelados pelo incidente”.
Apesar de se tratar de juízo político, exige-se para que haja a suspensão ao menos a probabilidade do direito alegado, bem como o perigo na demora de concessão do provimento, sem que isso configure analise do mérito da causa.
AGRAVO REGIMENTAL - GRATUIDADE DE TRANSPORTE TERRESTRE INTERESTADUAL AO IDOSO - SUSPENSÃO SEGURANÇA - INDEFERIMENTO - MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO - LESÃO À ORDEM PÚBLICA NÃO CONFIGURADA.
1. Não se examina em pedido de suspensão lesão à ordem jurídica, cuja análise fica resguardada às vias recursais ordinárias. [...] 6. Por tratar-se a suspensão de contracautela vinculada aos pressupostos de plausibilidade jurídica do pedido e do perigo da demora, não há prejulgamento do mérito da controvérsia quando no pedido de suspensão exerce o Presidente um Juízo mínimo de deliberação indispensável à aferição.
É importante destacar que tal instituto não se confunde com o pedido de efeito suspensivo em agravo de instrumento. No agravo de instrumento, o que se objetiva é a obtenção de efeito suspensivo pelo relator do processo no Tribunal, oportunidade em que este analisará o mérito da causa, ainda que de modo superficial.
Já o pedido de suspensão, funda-se em razões políticas em que se analisa tão somente a conveniência e a oportunidade de suspender uma decisão contrária aos interesses que incumbe a Fazenda Pública tutelar.
Não há qualquer relação de prejudicialidade entre os instrumentos, sendo que ambos podem ser manejados em conjunto ou separadamente, admitindo-se ainda que o efeito suspensivo seja deferido no agravo e não o seja no incidente de suspensão, ou vice-versa.
Conforme Leonardo José Carneiro da Cunha: O acolhimento de qualquer um deles irá atender à finalidade pública, suspendendo a decisão ou, no caso de julgamento final do agravo, reformando-a. Ajuizado, inicialmente, o pedido de suspensão e vindo a ser acolhido, não o atinge nem lhe retira a eficácia da decisão que vier a ser tomada no agravo de instrumento, ainda que seja para negar provimento Por sua vez, o provimento do agravo de instrumento não pode ser afetado pela eventual decisão do presidente do tribunal que indeferir o pedido de suspensão da liminar.
Quanto à limitação temporal da medida, tem-se que pode ser concedida a qualquer tempo, não possuindo prazo para sua interposição, razão pela qual não há que se falar em preclusão temporal.
Em contrapartida, uma vez deferida a suspensão, perdura ela até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal, de forma que eventual confirmação de tutela antecipada na sentença ou no julgamento do acórdão não prejudica a eficácia da medida.
Visando ao esclarecimento do tema, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 626 de sua jurisprudência dominante: Súmula 626- A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.
Embora a súmula se refira a suspensão da liminar em mandado de segurança, entende-se que se aplica a todos os procedimentos de suspensão de liminares, razão pela qual a medida tem como limite temporal final a manutenção da decisão pelo Supremo ou o trânsito em julgado da decisão conforme visto.
Por fim, e visando a otimização da prestação jurisdicional, verifica-se que as liminares que tenham objeto idêntico podem ser suspensas por meio de um único despacho e por aditamentos supervenientes ao pedido originário.
Conforme Cássio Scarpinella Bueno: A providência é salutar do ponto de vista da economia e da eficiência processuais e se encontra plenamente afinada ao princípio previsto no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal. Realiza-se atividade jurisdicional de forma otimizada, já que pedidos substancialmente idênticos e que, sistematicamente, só podem ser apreciados e decididos pelo mesmo órgão acabam, formalmente, sendo tratados como uma só causa. Diminuição de custos e eliminação da possibilidade de proferimento de decisões contraditórias.
Ademais a presente inovação constitui verdadeira forma de assegurar a isonomia entre pessoas que se encontram na mesma situação processual.
Desse modo, tem-se que a suspensão da segurança é um importante instituto para a tutela dos direitos indisponíveis da sociedade, de modo que sua adequada utilização e aprimoramento têm muito a contribuir para a tutela do interesse público.
O interessante desse caso foi que o Min. Toffoli suspendeu liminar de Ministro do próprio STF, o que é perfeitamente possível. Interessante, ainda, que a liminar suspensa foi em controle objetivo, o que também é possível.
Veja-se a parte final da decisão: A partir dessa compreensão, essa decisão tem como precípua finalidade evitar grave lesão à ordem e à segurança públicas, como bem demonstrou a Procuradoria-Geral da República ao consignar na inicial que a decisão objeto de questionamento “terá o efeito de permitir a soltura, talvez irreversível, de milhares de presos com condenação proferida por Tribunal. Segundo dados do CNJ, tal medida liminar poderá ensejar a soltura de 169 mil presos no país”.
Assim, o instrumento utilizado pela PGR no caso não foi recurso, mas sim um instrumento processual de contra cautela (suspensão de liminar). A decisão do Min. Marco Aurélio não foi cassada, mas sim foi suspensa. O Min Toffoli não adentrou no mérito do julgamento, mas sim fez um juízo político a fim de evitar lesão a ordem pública e a segurança pública.