Proibição de doação de sangue por homens homossexuais é
inconstitucional, decide STF.
Por maioria de votos (7x4) o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucionais
dispositivos de normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) que excluíam do rol de habilitados para doação de
sangue os “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as
parceiras sexuais destes nos 12 meses antecedentes". O julgamento foi
concluído nesta sexta-feira (8) em sessão virtual iniciada no dia 1º de maio.
Prevaleceu o voto
do relator, ministro Edson Fachin, no sentido de julgar procedente a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543, ajuizada pelo Partido Socialista
Brasileiro (PSB), para declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da
Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e da Resolução RDC 34/2014 da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária. As normas relacionavam a proibição a
critérios que consideravam o perfil de homens homossexuais com vida sexual
ativa à possibilidade de contágio por doenças sexualmente transmissíveis (DST).
Na ação, o PSB argumentou que tal restrição a um grupo específico configura
preconceito, alegando que o risco em contrair uma DST advém de um comportamento
sexual e não da orientação sexual de alguém disposto a doar sangue. Corrente
majoritária
Em seu voto, apresentado quando do início
do julgamento, ainda em sessão presencial no Plenário do STF, o ministro
Edson Fachin (relator) destacou que não se pode negar a uma pessoa que deseja
doar sangue um tratamento não igualitário, com base em critérios que ofendem a
dignidade da pessoa humana. Fachin acrescentou que para a garantia da segurança
dos bancos de sangue devem ser observados requisitos baseados em condutas de
risco e não na orientação sexual para a seleção dos doadores, pois configura-se
uma "discriminação injustificável e inconstitucional", disse. Já
segundo o ministro Luís Roberto Barroso, de um lado está a queixa plausível de
que há discriminação a um grupo que já é historicamente estigmatizado. No
outro, também está o interesse público legítimo de se proteger a saúde pública
em geral. "Acho perfeitamente possível, acho que pode e, talvez, deva
haver eventual regulamentação para prevenir a contaminação dentro do período da
janela imunológica. Mas esta normativa peca claramente pelo excesso",
afirmou. Para a ministra Rosa Weber, as restrições estabelecidas pelas normas
"não atendem ao princípio constitucional da proporcionalidade".
Segundo ela, tais normas desconsideram, por exemplo, o uso de preservativo ou
não, o fato de o doador ter parceiro fixo ou não, informações que para a
ministra fariam diferença para se poder avaliar condutas de risco. O ministro
Luiz Fux, por sua vez, sugeriu que seja adotada como critério a conduta de
risco e não o grupo de risco. "Exatamente porque o critério da conduta de
risco preserva a sociedade e, ao mesmo tempo, permite que esses atos que cerram
a construção de uma sociedade solidária sejam realizados". O entendimento
da corrente majoritária foi formado ainda pelos votos dos ministros Gilmar
Mendes, Dias Toffoli e da ministra Cármen Lúcia, apresentados na sessão virtual
do Pleno.
Divergência
A corrente divergente teve início
com o voto do ministro Alexandre de Moraes no sentido de que as restrições são
baseadas em dados técnicos, e não na orientação sexual. Em seu voto pela
parcial procedência da ação, o ministro destacou que a política nacional de
sangue, componentes e derivados no país está amparada na Lei 10.205/2001 e no Decreto
3.990/2001 e aponta a necessidade de proteção específica ao doador, ao receptor
e aos profissionais envolvidos. O ministro observou que essas normas, no
entanto, não foram questionadas na ação e que a leitura dos atos questionados,
fora do contexto dessa legislação específica, faz parecer que se tratam de atos
discriminatórios contra homossexuais masculinos. Entretanto, segundo o ministro
Alexandre de Moraes, "desde 2001 as normas sobre essa questão vêm
progredindo, limitando restrições a partir de estudos técnicos". Para o
ministro, "é possível a doação por homens que fizeram sexo com outros
homens, desde que o sangue somente seja utilizado após o teste imunológico, a
ser realizado depois da janela sorológica definida pelas autoridades de
saúde". Já o ministro Ricardo Lewandowski, destacou em seu voto
que o STF "deve adotar uma postura autocontida diante de determinações das
autoridades sanitárias quando estas forem embasadas em dados técnicos e
científicos devidamente demonstrados". Na avaliação do ministro, deve
também guiar-se pelas consequências práticas da decisão, nos termos do artigo
20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, "evitando interferir
em políticas públicas cientificamente comprovadas, especialmente quando forem
adotadas em outras democracias desenvolvidas ou quando estejam produzindo
resultados positivos”. O entendimento do ministro Lewandowski foi acompanhado
também pelo ministro Celso de Mello. O ministro Marco Aurélio também divergiu
do relator, e votou pela improcedência da ação (leia a íntegra
do voto).
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