RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO SOB O RITO DOS
RECURSOS REPETITIVOS. TRÁFICO DE DROGAS.
MAJORANTE. ENVOLVIMENTO DE CRIANÇA OU
ADOLESCENTE. CONFIGURAÇÃO. DOCUMENTO HÁBIL.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O Código de Processo Penal estabelecia, em seu art. 155 – antes
mesmo da edição da Lei n. 11.690/2008 –, que a prova quanto ao
estado das pessoas deveria observar as restrições constantes da lei
civil. Atualmente, o dispositivo prevê, em seu parágrafo único:
"Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as
restrições estabelecidas na lei civil".
2. O Código Civil fixa, em seu art. 9º, a obrigatoriedade de registro,
em assentamento público, dos seguintes acontecimentos: I - os
nascimentos, casamentos e óbitos; II - a emancipação por outorga
dos pais ou por sentença do juiz; III - a interdição por incapacidade
absoluta ou relativa; IV - a sentença declaratória de ausência e de
morte presumida.
3. A legislação pátria relativiza a exigência de registro, em
assentamento público, para a comprovação de questões atinentes ao
estado da pessoa. Exemplificativamente, o art. 3º da Lei n.
6.179/1974 dispõe: "A prova de idade será feita mediante certidão do
registro civil ou por outro meio de prova admitido em direito,
inclusive assento religioso ou carteira profissional emitida há mais de
10 (dez) anos".
4. Na mesma linha de raciocínio, a Terceira Seção do Superior
Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 74, em 15/4/1993. Confira-se
o enunciado: "Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade
do réu requer prova por documento hábil".
5. Em diversas situações – redução do prazo prescricional, aplicação
da atenuante do art. 65, I, do Código Penal, comprovação da idade
de vítima de crimes contra a dignidade sexual –, a jurisprudência
desta Corte Superior considera necessária, para a comprovação da
idade, a referência a documento oficial que ateste a data de
nascimento do envolvido – acusado ou vítima. Precedentes.
6. No julgamento dos EREsp n. 1.763.471/DF (Rel. Ministra Laurita
Vaz, 3ª S., DJe 26/8/2019), a Terceira Seção desta Corte Superior
sinalizou a impossibilidade de que a prova da idade da criança ou
adolescente supostamente envolvido em prática criminosa ou vítima
do delito de corrupção de menores ser atestada exclusivamente pelo
registro de sua data de nascimento, em boletim de ocorrência, sem
referência a um documento oficial do qual foi extraída tal informação
(como certidão de nascimento, CPF, RG, ou outro).
6. De fato, soa ilógico que, para aplicar medidas favoráveis ao réu ou
que visam ao resguardo da dignidade sexual da vítima, por exemplo,
se exija comprovação documental e, para agravar a situação do
acusado – ou até mesmo para justificar a própria condenação – se
flexibilizem os requisitos para a demonstração da idade.
7. Na espécie, a análise do auto de prisão em flagrante permite
verificar que, ao realizar a qualificação do menor, a autoridade
policial menciona o número de seu documento de identidade e o
órgão expedido, circunstância que evidencia que o registro de sua
data de nascimento não foi baseado apenas em sua própria
declaração, pois foi corroborado pela consulta em seu RG. Logo,
deve ser restabelecida a incidência da majorante em questão.
8. Recurso provido para restabelecer a incidência da majorante
prevista no inciso VI do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 e, por
conseguinte, readequar a pena imposta ao recorrido, nos termos do
voto, assentando-se a seguinte tese: "Para ensejar a aplicação de
causa de aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei n.
11.343/2006 ou a condenação pela prática do crime previsto no
art. 244-B da Lei n. 8.069/1990, a qualificação do menor,
constante do boletim de ocorrência, deve trazer dados
indicativos de consulta a documento hábil – como o número do
documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal,
tal como a certidão de nascimento."
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