A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo
Penal (CPP) (1) não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo
o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus
fundamentos.
O disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP
insere-se em um sistema a ser interpretado harmonicamente, sob pena de se
produzirem incongruências deletérias à processualística e à efetividade da
ordem penal. A exegese que se impõe é a que, à luz do caput do
artigo, extrai-se a regra de que, para a revogação da prisão preventiva, o juiz deve fundamentar a
decisão na insubsistência dos motivos que determinaram sua decretação, e não no mero decurso de prazos
processuais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) rechaça
interpretações que associam, automaticamente, o excesso de prazo ao
constrangimento ilegal da liberdade, tendo em vista: a) o critério de razoabilidade
concreta da duração do processo, aferido à luz da complexidade de cada caso,
considerados os recursos
interpostos, a
pluralidade de réus, crimes, testemunhas a serem ouvidas, provas periciais a serem
produzidas, etc.; e b) o dever
de motivação das decisões judiciais [Constituição Federal (CF), art. 93,
IX] (2), que devem sempre se reportar às circunstâncias específicas dos casos
concretos submetidos a julgamento, e não apenas aos textos abstratos das leis.
À luz desta compreensão
jurisprudencial, o
disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP não conduz à revogação automática
da prisão preventiva. Ao estabelecer que “Decretada a prisão preventiva,
deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada
90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar
a prisão ilegal”, o dispositivo não determina a revogação da prisão preventiva,
mas a necessidade de fundamentá-la periodicamente.
Mais ainda: o parágrafo único do art. 316 não
fala em prorrogação da prisão preventiva, não determina a renovação do título
cautelar. Apenas
dispõe sobre a necessidade de revisão dos fundamentos da sua manutenção.
Logo, não se cuida de
prazo prisional, mas prazo fixado para a prolação de decisão judicial.
Portanto, a ilegalidade decorrente da falta
de revisão a cada 90 dias não produz o efeito automático da soltura,
porquanto esta, à luz do caput do dispositivo, somente é possível
mediante decisão fundamentada do órgão julgador, no sentido da ausência dos
motivos autorizadores da cautela, e não do mero transcorrer do tempo.
No caso, trata-se de
referendo de decisão do presidente do STF que, em sede de plantão judiciário,
após reconhecer a existência de risco de grave lesão à ordem e à segurança
pública, concedeu a suspensão de medida liminar proferida nos autos do HC
191.836/SP e determinou a imediata prisão do paciente. A periculosidade do agente
do writ em foco para a segurança pública resta evidente,
ante a gravidade concreta do crime (tráfico transnacional de mais de 4
toneladas de cocaína, mediante organização criminosa violenta e que ultrapassa
as fronteiras nacionais) e a própria condição de liderança de organização
criminosa de tráfico de drogas atribuída ao paciente, reconhecida nas
condenações antecedentes que somam 25 anos.
Com esse entendimento, o
Plenário, por maioria, referendou a decisão em suspensão de liminar, com a
consequente confirmação da suspensão da decisão proferida nos autos do HC
191.836/SP até o julgamento do writ
pelo órgão colegiado competente, determinando-se a imediata prisão do paciente,
nos termos do voto do ministro Luiz Fux (presidente e relator), vencido o
ministro Marco Aurélio, que inadmitia a possibilidade de presidente cassar
individualmente decisão de um integrante do STF. O ministro Ricardo Lewandowski,
preliminarmente, não conhecia da suspensão e, vencido, ratificou a liminar.
É constitucional
a percepção de honorários de sucumbência por procuradores de estados-membros,
observado o teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal (CF) (1) no
somatório total às demais verbas remuneratórias recebidas mensalmente.
Aplicam-se ao problema
jurídico-constitucional os precedentes formados pelo Supremo Tribunal Federal
no julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade acerca da validade de
textos legais que instituíram a percepção de honorários de sucumbência por
advogados públicos, cujos conteúdos normativos são semelhantes (ADI 6.053,
ADI 6.165,
ADI 6.178).
A natureza
constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o
recebimento da verba de honorários sucumbenciais, nos termos da lei, desde que
submetido ao mencionado teto remuneratório. Restaram definidas cinco razões de
decidir: (i) os honorários
de sucumbência constituem vantagem de natureza remuneratória, por serviços prestados com
eficiência no desempenho da função pública; (ii) os titulares dos honorários sucumbenciais são os
profissionais da advocacia, seja pública ou privada; (iii) o art. 135 da CF (2), ao estabelecer
que a remuneração dos procuradores estaduais se dá mediante subsídio, é
compatível com o regramento constitucional referente à advocacia pública;
(iv) a CF não institui
incompatibilidade relevante que justifique vedação ao recebimento de honorários
por advogados públicos, à exceção da magistratura e do Ministério Público; e (v) a percepção cumulativa de
honorários sucumbenciais com outras parcelas remuneratórias impõe a observância do teto remuneratório estabelecido
constitucionalmente no art. 37, XI.
As disposições da Lei 9.656/1998, à luz do art. 5º,
XXXVI, da Constituição Federal (CF), somente incidem sobre os contratos
celebrados a partir de sua vigência, bem como sobre os contratos que, firmados anteriormente,
foram adaptados ao seu
regime, sendo as
respectivas disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua
autonomia de vontade, optaram
por manter os planos antigos inalterados.
Isso porque as relações jurídicas livremente pactuadas, com o uso da
autonomia da vontade, devem dar valor à segurança jurídica, conferindo-se
estabilidade aos direitos subjetivos e, mais ainda, conhecimento inequívoco das
regras às quais todos estão vinculados, bem como a tão importante
previsibilidade das consequências de suas respectivas condutas. Nesses termos, dentro do debate sobre a possibilidade
de retroatividade da Lei 9.656/1998 a negócios jurídicos anteriores à sua
vigência, serão aplicáveis previsões constitucionais a preservar o ato jurídico
perfeito, a segurança jurídica e, por sua relevância, a autonomia da vontade e
a liberdade de contratar.
Além disso, o
entendimento que tem sido consolidado no Supremo Tribunal Federal (STF) ao
longo dos anos é contrário à possibilidade da retroatividade da lei nova,
assegurando a máxima efetividade da norma constitucional carreada pelo art. 5º,
XXXVI, da CF, ressalvada a
aplicação da chamada retroatividade mínima, em situações excepcionais, a
permitir sejam temperadas para o futuro algumas relações jurídicas constituídas
no passado. Desse modo, os
contratos de planos de saúde firmados antes do advento da Lei 9.656/1998 podem
ser considerados atos jurídicos perfeitos, e, como regra geral, estão blindados
às mudanças supervenientes das regras vinculantes.
Ademais, nos termos do art. 35 da Lei
9.656/1998, assegurou-se, aos beneficiários dos contratos celebrados
anteriormente ao início de sua vigência, a possibilidade de opção pelas novas
regras, tendo o parágrafo 4° do mencionado dispositivo proibido que a migração
fosse feita unilateralmente pela operadora.
Com base nesse
entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 123 da repercussão geral, deu provimento a
recurso extraordinário para julgar improcedente o pedido inicial.
A ausência
do título de eleitor no momento da votação não constitui, por si só, óbice ao
exercício do sufrágio.
O art. 91-A da Lei 9.504/1997, com
a redação dada pela Lei 12.034/2009, e o art. 47, § 1º, da Resolução
23.218/2010 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o objetivo de combater a fraude
eleitoral, determinaram, para o exercício do sufrágio, a apresentação
concomitante do título eleitoral e de documento oficial com foto.
Com o advento da biometria, no entanto, a
discussão quanto à utilização de documentos de identificação diversos da
biometria perdeu força, mas não foi de todo esvaziada. Há situações em
que os eleitores serão identificados pelo modo tradicional, mediante
apresentação de documento com foto: (a) eleitores ainda não cadastrados biometricamente;
(b) inviabilização na
utilização da biometria no dia da votação, por indisponibilidade momentânea ou ocasional do sistema
ou impossibilidade de leitura das informações datiloscópicas do eleitor
(impressão digital); ou (c) para o eleitorado geral, em situações excepcionais, como a que ocorre
nas eleições municipais de 2020, ante o cenário deflagrado pela pandemia da
Covid-19.
A análise da questão,
sob o prisma do princípio
da proporcionalidade, revela
que o documento oficial com foto para identificação do eleitor é medida
suficiente e adequada para garantir a autenticidade do voto, sendo
desnecessária a exigência do título. Embora se reconheça que as reformas
legislativas provocaram avanços significativos no sistema eleitoral, na
hipótese vertente, o mecanismo imaginado para frear as investidas fraudulentas
criou óbice desnecessário ao exercício do voto pelo eleitor. Isso porque, com a
imposição da limitação, alguns eleitores, regularmente alistados, seriam
alijados de participar do processo eleitoral caso não estivessem portando o
título eleitoral no dia da votação, com eventuais reflexos na soberania popular
e no próprio processo democrático.
Aplicável à hipótese,
ademais, a “proibição do
retrocesso”, uma vez que já conquistado pela sociedade o direito à autenticidade do voto,
mediante a identificação do eleitor pela biometria, bem assim, de forma secundária, por documento
com fotografia, a afastar qualquer entendimento segundo o qual a ausência do
título eleitoral, no momento da votação, impede o exercício do voto.
Com base nesse
entendimento, o Plenário
confirmou medida cautelar e julgou procedente pedido formulado em ação direta
para conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 91-A da Lei
9.504/1997 e 47, § 1º, da Resolução TSE 23.218/2010.
ADI 4467/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual
finalizado em 19.10.2020. (ADI-4467)
A entidade que não
representa a totalidade de sua categoria profissional não possui legitimidade
ativa para ajuizamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade.
A Constituição Federal (CF) estabelece, em seu art. 103, o rol de
legitimados para a propositura de ações de controle concentrado de
constitucionalidade, dentre os quais estão as confederações sindicais e entidades de classe [CF,
art. 103, IX (1)].
O Supremo Tribunal Federal
consolidou entendimento de que a legitimidade para o ajuizamento das ações de
controle concentrado de constitucionalidade por parte de confederações
sindicais e entidades de classe pressupõe: (a) a caracterização como entidade de classe ou sindical,
decorrente da representação de categoria empresarial ou profissional;
(b) a abrangência ampla
desse vínculo de representação, exigindo-se que a entidade represente toda a
respectiva categoria, e não apenas fração dela; (c) o caráter nacional da
representatividade, aferida pela demonstração da presença da entidade em pelo
menos 9 (nove) estados brasileiros; e (d) a pertinência temática entre as finalidades
institucionais da entidade e o objeto da impugnação.
À vista disso, o Plenário,
por maioria, conheceu do agravo regimental e negou-lhe provimento por entender
que a entidade não representa toda a respectiva categoria profissional e, dessa
forma, carece de legitimidade ativa para propositura da ação.
Não retroage a norma
prevista no § 5º do art. 171 do Código Penal (CP) (1), incluída pela Lei
13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima
como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas
hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da
entrada em vigor do novo diploma legal.
A norma processual anteriormente vigente definia a
ação penal para o delito de estelionato, em regra, como pública incondicionada.
Desse modo, nos casos em que já oferecida a denúncia, tem-se a concretização de
ato jurídico perfeito, o que obstaculiza a interrupção da ação penal.
Por outro lado, por
tratar-se de “condição de
procedibilidade da ação penal”, a aplicação da regra prevista no § 5º do art. 171 do CP,
com redação dada pela Lei 13.964/2019, será
obrigatória em todas as hipóteses em que ainda não tiver sido oferecida a
denúncia pelo Parquet, independentemente do momento da prática da infração
penal, nos termos do art. 2º, do Código de Processo
Penal (CPP) (2). Entendimento diverso demandaria
expressa previsão legal, pois se estaria transformando a “representação da vítima”,
clássica condição de procedibilidade, em verdadeira “condição de
prosseguibilidade da ação penal”, alterando sua tradicional natureza jurídica. A
representação da vítima somente estaria dispensada nas situações expressamente
previstas no §5º do art. 171 do CP, uma vez que outros bens jurídicos estariam
afetados.
DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO DOS BENS. ART. 3º DO DECRETO-LEI 911/69. CONSTITUCIONALIDADE. Recurso Extraordinário a que se dá provimento para afastar a extinção de ofício do processo e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento. Fixada a seguinte tese de julgamento: "O art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal, sendo igualmente válidas as sucessivas alterações efetuadas no dispositivo”.
DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. REPERCUSSÃO
GERAL. CONTRATO DE
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL AUTÔNOMA, REGIDO PELA LEI nº 4.886/65. NÃO CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE
TRABALHO PREVISTA NO ART. 114, CF. 1. Recurso Extraordinário interposto
contra decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, em que se alega
afronta ao art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal, com redação dada
pela EC 45/2004. Na origem, cuida-se de ação de cobrança de comissões sobre
vendas decorrentes de contrato de representação comercial autônoma, ajuizada
pelo representante, pessoa física, em face do representado. 2. As atividades de representação
comercial autônoma configuram contrato típico de natureza comercial,
disciplinado pela Lei nº 4.886/65, a qual prevê (i) o exercício da representação por pessoa
jurídica ou pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter
não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis
e (ii) a competência da
Justiça comum para o julgamento das controvérsias que surgirem entre
representante e representado. 3. Na atividade de representação comercial
autônoma, inexiste entre
as partes vínculo de emprego ou relação de trabalho, mas relação comercial
regida por legislação especial (Lei n° 4.886/65). Por conseguinte, a
situação não foi afetada pelas alterações introduzidas pela EC n° 45/2004, que versa
sobre hipótese distinta ao tratar da relação de trabalho no art. 114 da
Constituição. 4. A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e
qualquer relação entre o contratante de um serviço e o seu prestador seja
protegida por meio da relação de trabalho (CF/1988, art. 7º). Precedentes. 5.
Ademais, os autos tratam de pedido de pagamento de comissões atrasadas. O
pedido e a causa de pedir não têm natureza trabalhista, a reforçar a
competência do Juízo Comum para o julgamento da demanda. 6. Recurso
extraordinário a que se dá provimento, para assentar a competência da Justiça
comum, com a fixação da seguinte tese: “Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65,
compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica
entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de
trabalho entre as partes”.
DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO.
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CÁLCULO DO VALOR DO BENEFÍCIO DE COMPLEMENTAÇÃO DE
APOSENTADORIA DEVIDA POR ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA FECHADA. CONTRATO QUE PREVÊ A
APLICAÇÃO DE PERCENTUAIS DISTINTOS PARA HOMENS E MULHERES. QUEBRA DO PRINCÍPIO
DA ISONOMIA.
1. A isonomia formal, assegurada pelo art. 5º, I, CRFB, exige tratamento
equitativo entre homens e mulheres. Não impede, todavia, que sejam enunciados
requisitos de idade e tempo de contribuição mais benéficos às mulheres, diante
da necessidade de medidas de incentivo e de compensação não aplicáveis aos
homens. 2. Incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, com
prevalência das regras de igualdade material aos contratos de previdência
complementar travados com entidade fechada. 3. Revela-se inconstitucional, por
violação ao princípio da isonomia (art. 5º, I, da Constituição da República),
cláusula de contrato de previdência complementar que, ao prever regras
distintas entre homens e mulheres para cálculo e concessão de complementação de
aposentadoria, estabelece valor inferior do benefício para as mulheres, tendo
em conta o seu menor tempo de contribuição. 5. Recurso extraordinário conhecido
e desprovido.
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