terça-feira, 14 de junho de 2022

Informativo 732-STJ (Dizer o Direito)

 A excepcionalidade e a gravidade que circundam a intervenção federal, bem como a complexidade que emana do cumprimento da ordem de desocupação, sobrepõem-se ao interesse particular dos proprietários do imóvel. Na hipótese em análise, não há como reconhecer tenha o ente estatal se mantido inerte, em afronta à decisão judicial, não havendo que se falar em recusa ilícita, a ponto de justificar a intervenção, porquanto a situação fática comprovada nos autos revela questão de cunho social e coletivo, desbordando da esfera individual da parte autora. STJ. Corte Especial. IF 113-PR, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 06/04/2022 (Info 732). Obs: existem decisões mais antigas deferindo a intervenção: STJ. Corte Especial. IF 115/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 21/6/2017.


Exemplo hipotético: em um contrato de locação comercial de terceiro, Ricardo ofereceu sua casa como caução (garantia) da relação locatícia (art. 37, I, da Lei nº 8.245/91). O terceiro (locatário) não pagou os aluguéis e o locador executou o locatário e Ricardo pedindo a penhora da casa objeto da caução. Ocorre que se trata de bem de família onde Ricardo reside. Será possível a penhora?


Não. As hipóteses excepcionais nas quais o bem de família pode ser penhorado estão previstas, taxativamente, no art. 3º da Lei nº 8.009/90. Tais hipóteses não admitem interpretação extensiva. O escopo da Lei nº 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas sim a entidade familiar no seu conceito mais amplo, razão pela qual as hipóteses permissivas da penhora do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva. A caução levada a registro, embora constitua garantia real, não encontra previsão em qualquer das exceções contidas no art. 3º da Lei nº 8.009/90, devendo, em regra, prevalecer a impenhorabilidade do imóvel, quando se tratar de bem de família. Assim, não é possível a penhora do bem de família mesmo que o proprietário tenha oferecido o imóvel como caução em contrato de locação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.505-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 22/03/2022 (Info 732).


Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. Exemplo hipotético: em 2010, “P” praticou estupro, sem violência real, contra “T”. Em 2012, o Ministério Público ofereceu denúncia contra “P”. Em 2014, o processo penal foi extinto sob o argumento de que o MP seria parte ilegítima porque não houve representação, conforme se exigia antes da Lei nº 13.718/2018. Logo em seguida, “T” (a vítima) ajuizou ação de indenização por danos morais contra “P”. Mesmo já tendo passado três anos do fato (art. 206, § 3º V, do CC), não houve prescrição. Isso porque o prazo prescricional somente se iniciou com o trânsito em julgado da sentença do processo penal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.987.108-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 29/03/2022 (Info 732).


Excessos cometidos pelo advogado não podem ser cobertos pela imunidade profissional, sendo em tese possível a responsabilização civil ou penal do causídico pelos danos que provocar no exercício de sua atividade. STJ. 3ª Turma. REsp 1.731.439-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/04/2022 (Info 732).


O termo inicial dos juros de mora incidentes sobre as diferenças entre os valores do aluguel estabelecido no contrato e aquele fixado na ação renovatória será: a) a data para pagamento fixada na própria sentença transitada em julgado (mora ex re); ou b) a data da intimação do devedor para pagamento na fase de cumprimento de sentença (mora ex persona). Deve-se perquirir se a sentença da ação renovatória fixa prazo para o pagamento do saldo devedor, haja vista que, se o fizer, a mora do devedor se dará com o trânsito em julgado (mora ex re), mas caso o título executivo judicial não faça referência ao prazo para adimplemento, caberá ao credor interpelar o devedor para pagamento (mora ex persona). STJ. 3ª Turma. REsp 1.888.401-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/03/2022 (Info 732).


O art. 121, § 3º do ECA afirma que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”. Se o adolescente está cumprindo medida socioeducativa de internação e sobrevém transtorno mental, ele será submetido a tratamento médico. O período de tratamento deverá ser somado ao tempo em que ele ficou cumprindo a medida de internação, não podendo ultrapassar 3 anos, nos termos do art. 121, § 3º do ECA. A medida de segurança imposta ao apenado adulto que desenvolve transtorno mental no curso da execução, com espeque no art. 183 da LEP, tem sua duração limitada ao tempo remanescente da pena privativa de liberdade. Esse mesmo raciocínio deve ser aplicado aos adolescentes, por força do art. 35, I, da Lei nº 12.594/2012. Se a contagem do prazo trienal previsto no art. 121, § 3º, do ECA fosse suspensa durante o tratamento médico referido no art. 64 da Lei 12.594/2012 e até a alta hospitalar, a restrição da liberdade do jovem seria potencialmente perpétua, hipótese inadmissível em nosso sistema processual. STJ. 5ª Turma. REsp 1.956.497-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2022 (Info 732).


No caso concreto, o condutor estacionou, indevidamente, em vaga reservada à pessoa com deficiência e, por conta disso, foi multado pela autoridade de trânsito. A despeito da relevância da tutela coletiva dos direitos da pessoa com deficiência ou idosa, não há como se afirmar que a conduta em tela tenha agredido, de modo intolerável, os valores essenciais da sociedade.

No caso concreto, não há outros elementos que permitam dizer que a conduta do motorista tenha atributos de gravidade e intolerabilidade. A situação se amolda a uma mera infringência à lei de trânsito, o que é insuficiente para a caracterização do dano moral coletivo. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.927.324-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 05/04/2022 (Info 732).


Diante do arrefecimento da pandemia, do avanço da vacinação e da prioridade da subsistência alimentar dos destinatários das obrigações alimentares judicialmente reconhecidas, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação CNJ n. 122, de 3/11/2021, trazendo novas variáveis a serem consideradas na análise dos pedidos de prisão civil, quais sejam: a) o contexto epidemiológico local e a situação concreta dos casos no município e da população carcerária; b) o calendário vacinal do município de residência do devedor de alimentos, em especial se já lhe foi ofertada a dose única ou todas as doses da vacina; c) a eventual recusa do devedor em vacinar-se como forma de postergar o cumprimento da obrigação alimentícia. Assim, cabe, ao magistrado, de acordo com as condições pessoais do devedor e com a observância do contexto epidemiológico local, definir se é ou não o caso de determinar, no presente momento, o regime fechado para cumprimento da prisão civil. STJ. 4ª Turma. HC 705.213/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 5/4/2022 (Info 732).


Caso concreto: o Desembargador Corregedor determinou que a serventia extrajudicial fizesse o registro de alienação de um imóvel público para um particular. O Ministério Público impetrou mandado de segurança alegando que esse ato seria ilegal. O TJ entendeu que o Ministério Público não teria legitimidade para impetrar mandado de segurança neste caso e que deveria ter proposto ação civil pública. O STJ não concordou. O fato de o art. 129, III, da CF/88 indicar que o Ministério Público deve promover a ação civil pública na defesa do patrimônio público, obviamente, não o impossibilita de se utilizar de outros meios para a proteção de interesses e direitos constitucionalmente assegurados, difusos, coletivos, individuais e sociais indisponíveis, especialmente diante do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

STJ. 2ª Turma. RMS 67.108-MA, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 05/04/2022 (Info 732).


A desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro. STJ. 3ª Seção. REsp 1.859.933-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 09/03/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1060) (Info 732).


Uma mulher trans é uma pessoa que nasceu com o sexo físico masculino, mas que se identifica como uma pessoa do gênero feminino. O conceito de sexo está relacionado aos aspectos biológicos que servem como base para a classificação de indivíduos entre machos, fêmeas e intersexuais. Utilizamos a palavra gênero quando queremos tratar do conjunto de características socialmente atribuídas aos diferentes sexos. Muitas vezes, uma pessoa pode se identificar com um conjunto de características não alinhado ao seu sexo designado. Ou seja, é possível nascer do sexo masculino, mas se identificar com características tradicionalmente associadas ao que culturalmente se atribuiu ao sexo feminino e vice-versa, ou então, não se identificar com gênero algum. STJ. 6ª Turma. REsp 1.977.124/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/4/2022 (Info 732).


O Decreto-Lei nº 3.240/1941 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, continua sendo aplicável e não foi revogado pelo Código de Processo Penal. Essa medida pode recair sobre quaisquer bens investigados e não apenas sobre aqueles que sejam produtos ou proveito do crime. Para que o juiz decrete o sequestro não é necessária a prévia comprovação do periculum in mora, bastando indícios da prática criminosa. Esse sequestro, assim como outras medidas constritivas, pode ser decretado não apenas para garantir o ressarcimento do prejuízo causado pelo réu, podendo também abarcar o pagamento de eventuais multas e das custas processuais. STJ. 5ª Turma. AgRg no RMS 67.164-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 29/03/2022 (Info 732).


De acordo com o art. 244 do CPP, a execução da busca pessoal sem mandado, como medida autônoma, depende da presença de fundada suspeita da posse de objetos que constituam corpo de delito.


Como a lei exige fundada suspeita, não é suficiente a mera conjectura ou desconfiança. Assim, não é possível realizar busca pessoal apenas com base no fato de que o acusado, que estava em local conhecido como ponto de venda drogas, ao avistar a viatura policial, demonstrou nervosismo. A percepção de nervosismo por parte de agentes públicos é dotada de excesso de subjetivismo e, por isso, não é suficiente para caracterizar a fundada suspeita para fins de busca pessoal. STJ. 6ª Turma. REsp 1.961.459-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 05/04/2022 (Info 732).


Caso concreto: Vitor era réu em um processo criminal. Durante o interrogatório, ele se negou a responder as perguntas do magistrado e da acusação a respeito dos fatos imputados. O acusado afirmou que só responderia as perguntas formuladas por seu advogado. O juiz, contudo, disse que isso não seria possível e impediu Vitor de responder aos questionamentos da defesa. Para o juízo, o fato de o acusado ter se negado a responder perguntas feitas pelo magistrado excluiria a possibilidade de outros esclarecimentos de qualquer das partes, inclusive da defesa. Essa conduta foi ilícita. O art. 186 do CPP estipula que, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. O interrogatório, como meio de defesa, implica ao imputado a possibilidade de responder a todas, nenhuma ou a apenas algumas perguntas direcionadas ao acusado, que tem direito de poder escolher a estratégia que melhor lhe aprouver à sua defesa. Verifica-se a ilegalidade diante do precoce encerramento do interrogatório do réu, após manifestação do desejo de não responder às perguntas do juízo condutor do processo, senão do seu advogado, sendo excluída a possibilidade de ser questionado pelo seu defensor técnico. STJ. 6ª Turma. HC 703.978-SC, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), julgado em 05/04/2022 (Info 732).


Conquanto os tribunais superiores admitam a prisão preventiva para interrupção da atuação de integrantes de organização criminosa, a mera circunstância de o agente ter sido denunciado pelos delitos descritos na Lei n. 12.850/2013 não justifica a imposição automática da custódia prisional. Com efeito, deve-se avaliar a presença de elementos concretos, previstos no art. 312 do CPP, como o risco de reiteração delituosa ou indícios de que o grupo criminoso continua em atividade, colocando em risco à ordem pública. STJ. 5ª Turma. HC 708.148-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 05/04/2022 (Info 732).


Caso adaptado: João e a incorporadora celebraram contrato de promessa de compra e venda de imóvel. João passou a morar no imóvel, mas o instrumento translativo da propriedade não foi levado a registro. Isso significa que o imóvel continuou pertencendo à imobiliária. João não pagou o IPTU. O Fisco ajuizou execução fiscal contra João e a incorporadora porque são devedores solidários, conforme tese do STJ: Tanto o promitente comprador (possuidor a qualquer título) do imóvel quanto seu proprietário/promitente vendedor (aquele que tem a propriedade registrada no Registro de Imóveis) são contribuintes responsáveis pelo pagamento do IPTU (REsp 1.111.202/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10/6/2009. Recurso Repetitivo – Tema 122). No curso do processo, João faz um parcelamento do IPTU. Isso não significa que tenha havido renúncia à solidariedade. A incorporadora continua sendo responsável solidária. STJ. 2ª Turma. REsp 1.978.780-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 05/04/2022 (Info 732).




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